Minha lista de blogs

domingo, 31 de janeiro de 2016

Loucura e Contos de Fada


O homem corria pelos becos entre os prédios na hora mais avançada da noite. Sua roupa dizia muita coisa sobre si mesmo, pois, sem sombra de duvidas, estava utilizando uma camisa de força. Havia apenas um único manicômio na cidade, então era óbvio de onde estava fugindo. Sua respiração era forte, tentando puxar o ar de onde não vinha. Seus pulmões já estavam basicamente atrofiados de tanta força que fazia para respirar. Lágrimas quentes desciam em seu rosto, enquanto o coração se apertava cada vez mais, como se estivesse sendo enforcado por uma corda. A sensação era de pura agonia. As pernas tremiam mais do que qualquer coisa e seus olhos estavam completamente vermelhos, juntamente com as pálpebras extremamente cansadas, o que denota que não dormia há muito tempo. Talvez nem ele mesmo soubesse para onde estava indo, entretanto, aquilo era necessário.
Não se importava no que havia em sua frente, chutando sacos de lixo e derrubando caixas de papelão como se não fossem nada. O corpo se agitava freneticamente virando o abdome para ambos os lados várias e várias vezes. Olhava para trás de tempos em tempos, com medo de estar sendo seguido, mas toda vez que se virava para ver, não havia nada. Tudo estava apenas em sua cabeça, diziam os psiquiatras, que julgava serem mais loucos do que ele mesmo. Um tinha um chapéu colorido e ficava rindo sem parar, tomando sua xícara de chá e dizendo comemorar seu “desaniversário”. Toda a noite gritava, chorava e esperneava, dizendo ouvir a voz de um gato sorridente rindo de sua vida inútil dentro daquele lugar endiabrado.
Anos atrás, este mesmo homem passou por um incidente terrível, dizendo entrar por um buraco numa árvore e cair por muitos metros. Lá dentro daquele lugar maluco, conheceu criaturas das quais nem nos piores pesadelos iria encontrar.  Teve de tomar uma poção para encolher e depois outra para crescer. Matou dezenas de homens cartas e uma rainha cabeçuda e maluca, arrancando sua cabeça. Ao sair dali, ninguém acreditou nele, sendo internado no hospício de sua cidade e abandonado por sua família. Nada  trazia paz, nem conforto, pelo contrário, chafurdando cada vez mais no desespero infernal. Tentou se suicidar várias vezes, mas sempre era impedido. Não dormia mais, o que ocasionou problemas de visão fazendo-o sangrar várias vezes ao dia. A barba estava mais longa do que um cabelo feminino, mas isso não o incomodava.  
Súbito tropeçou em algo que parecia ser um guarda-chuva velho e quebrado. Perdeu o equilíbrio, escorregou pelo chão molhado, e como estava com uma camisa de força, não pode se apoiar para não bater a cabeça, que foi de encontro ao chão fazendo um enorme barulho no beco em que seguia. Um trovão ecoou no céu no céu ao mesmo tempo em que ele gemeu de dor. Tentando levar uma das mãos à cabeça para pausar o líquido quente que descia de sua testa. O gosto de sangue veio a sua boca.
- Bosta. – disse ele em um tom de desespero. Se fosse visto, seria confundido com um mendigo bêbado e insano. Agora não conseguia mais levantar. O cansaço e o medo se fundiram em um único sentimento fugaz, fazendo que relaxasse por apenas alguns segundos. Aquele chão estava extremamente sujo, cheio de restos de comida e, talvez, até mesmo dejetos de animais e ele cogitou a pequena possibilidade de dormir por alguns segundos. Fechou as pálpebras cansadas e deixou sua boca fazer um pequeno sorriso torto e ensanguentado.
Ha Ha Ha – uma voz ecoava pelo ar. Um guincho meio rouco e estranhamente familiar. Abriu os olhos assustado e sem reação por alguns segundos. Seu rosto empalideceu ao olhar para o lugar onde estava naquele momento. Flexionou o abdome sentando no chão e fazendo força com as pernas para se levantar. Reconheceu o lugar para onde fora levado em seu pequeno descanso no chão. Havia estado ali antes de ser considerado louco. Estava no alto de uma montanha com gramas verdejantes e podia ver o mundo ao seu redor. Pássaros estranhos voavam ao lado de serpentes. Crianças com cabeças de animais estavam passando por ali. Uma lagarta gigante estava fumando algo em cima de uma nuvem. O mar que estava ao longe estava repleto de peixes grandes com formas bizarras e grotescas.
Súbito o céu que estava azul se transformou em vermelho como sangue e as nuvens caíram do céu espalhando um líquido negro por todo o lugar. As criaturas bizarras fugiam de tudo, mas eram esmagadas pelas nuvens malditas esparramando liquido negro por seus corpos agora mortos. A grama secou rapidamente e assim como tudo ao seu redor, se transformou num grande inferno sem proporções. O homem acompanhava tudo e sabia aquilo que estava por vir. Sentiu uma presença atrás de si e virou no mesmo momento. Um facão atravessou seu umbigo abrindo um rombo gigantesco no abdome magro do louco, que grunhiu com voracidade de uma besta encurralada para o abate.
A dor era insuportável, mas a visão que estava em sua frente era ainda mais terrível do que qualquer coisa. Uma criança segurava a corda amarrada na ponta da faca. Seu sorriso era diabólico mostrando seus dentes afiados e seus olhos de cor vermelha, fazendo com que a alma do louco fosse arrastada para fossas abissais. Seu cabelo era loiro e comprido e usava um vestido azul e branco. Lágrimas negras desciam por sua face assustadora. As mãos estavam ensanguentadas. Ele reconhecia bem aquela figura e ao seu lado o maldito gato risonho, com seus olhos sempre amarelos e raivosos. Ele babava como nunca e estava pronto para sua refeição. A camisa de força branca, agora estava se transformando em escarlate.
          - Cheshire, pega. – ela puxou sua faca de volta arrancando outro grunhido do homem. Imediatamente o gato risonho e magro correu em sua direção enfiando suas garras no peitoral do homem que caiu. O banquete estava apenas iniciando. Cheshire começou a devorar seu rosto, arrancando seu nariz e lábio superior numa única bocada, enquanto dava gargalhadas. O sangue jorrava por todos os lugares assim como seus gritos ensurdecedores.

            Em seus últimos suspiros, o homem chegou à conclusão que não se deve adentrar em contos de fada. Eles podem te comer vivo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário