CAPÍTULO UM
Era noite, e como todas as
noites de Janeiro, estava chovendo. Não havia muitas pessoas na plataforma de
embarque da rodoviária de Santos, em São Paulo. Afinal de contas, quase ninguém
pega o ônibus da meia noite. Apenas dez pessoas estavam em fila para colocar
suas bagagens no compartimento. Elas não pareciam muito amistosas para qualquer
tipo de conversa aleatória. O ônibus partia de Santos para o Rio de Janeiro.
Normalmente, a viagem duraria cerca de sete horas ou menos, entretanto, com
toda essa chuva as estradas estariam molhadas.
Com certeza, em sete horas eles não chegariam.
Rafael estava sentado em um dos bancos que beiravam a
plataforma de embarque. As pernas balançavam de forma nervosa, o suor descia em
seu rosto chegando até sua barba. Rafael buscava por seus documentos dentro de
sua pequena bolsa. Revirava tudo em busca da única coisa que o motorista
pediria, além do passaporte. Seu RG. Embora estivesse frio em Santos, Rafael
suava como nunca, e se não fosse por sua jaqueta de couro preta, daria para ver
sua blusa branca totalmente encharcada de suor.
Súbito, se lembrou que colocou o RG em seu bolso de trás da
calça. Levantou, colocou a mão no bolso e lá estava, para seu alivio, o RG,
juntamente ao passaporte. Pegou sua bolsa e desceu as escadas com pressa. Havia
apenas um ônibus na plataforma de embarque, então não havia erro. Andou de
maneira estranha até a plataforma número seis. E lá estava seu transporte. Um
ônibus, não muito grande, e todo azul. Aquilo que o ajudaria a deixar sua
antiga vida para trás.
Formava uma fila ao redor do ônibus. O motorista estava apenas
auxiliando as pessoas para colocar suas bolsas no porta-malas. Rafael não iria
colocar sua bolsa ali, queria levar consigo dentro do ônibus. O que havia nela
era importante demais para deixar fora de sua vista.
- Gostaria de colocar aqui, senhor? – disse o motorista
levando Rafael a sair de seu transe momentâneo.
- O-O quê? – respondeu Rafael gaguejando. Era visível que
estava muito nervoso.
- Sua bolsa, senhor – apontou o homem calvo, que aparentava
ter uns cinquenta anos – Gostaria de colocá-la no porta-malas?
- Ah! É. Não. Obrigado – o nervosismo persistia.
O motorista apenas sorriu. O homem baixo e calvo trajava um
uniforme simples da empresa. Sua camisa social de manga curta era branca, e a
calça, azul escuro. Parecia ser simpático, aquele tipo de vizinho que todo
mundo gosta e confia. Mas, Rafael não confia mais em ninguém.
- Então o senhor poderia me mostrar seus documentos e
passaporte, por favor? – perguntou o homem levantando uma mão. Rafael colocou a
mão no bolso e retirou o documento juntamente com o passaporte. Ao entregar,
notou um pequeno crachá no peito esquerdo do motorista. Nilson Almeida. Esse
era seu nome.
- Obrigado – agradeceu Nilson. Analisou cada parte no
passaporte. Rafael pensou que o homem procurava algum sinal de falsificação.
Depois de alguns segundos, destacou metade do passaporte, puxou um pequeno
carimbo vermelho de seu bolso e o apertou contra o mesmo. Devolveu para Rafael.
- Aqui está seu documento e passaporte, senhor Anderson
Pereira – sorriu novamente – Tenha uma boa viagem – Rafael retribuiu o sorriso,
segurou os documentos com força e subiu os degraus do ônibus. O RG era falso,
assim como muitas coisas na vida de dele.
Ao entrar na segunda porta, Rafael sentiu o ar fresco que
estava dentro do lugar. O cheiro de algo novo estava ali presente, como se
abrisse a embalagem de um livro novo. Havia muitos anos que ele não sentia esse
cheiro. Era hora de abandonar o passado e seguir em frente.
Olhou o passaporte novamente para verificar o número de sua
poltrona, e colocou de volta no bolso. Seis,
pensou Rafael e seguiu em frente passando por várias poltronas vazias.
Segurando sua bolsa com muito cuidado foi observando cada poltrona com cuidado.
Passou por uma mulher loira. Ela estava grávida e falando muito alto no
telefone. Aquilo o incomodou. Ao seu lado estava uma criança, loira também, que
julgou ser filha da mulher. A criança pulava na poltrona e ria de forma
divertida. Ele não gostava de crianças.
Seguindo, passou por um casal de idosos que estavam
dormindo. Rafael não reparou em suas roupas. Por fim, chegou a sua poltrona. O
número estava brilhando “06-07”. A
cor era verde esmeralda. O mais curioso é, que por mais que o número fosse um
dos primeiros, a poltrona era a penúltima. Mas isso não o perturbou. Na
verdade, ele preferia assim.
Sentou e arrumou a coluna na poltrona. Ela doía muito, graças
a algumas pancadas que recebeu. Rafael se sentiu relaxado. Ameaçou um sorriso,
mas não o concluiu. Havia muitas coisas em sua cabeça para que sorrisse de
forma gratuita. Olhou pela janela. Gotas de água caíam pelo vidro, como se
competissem para ver quem chega primeiro no chão. Ouviu as pessoas entrando no
ônibus, mas nem ao menos quis virar seu rosto para observá-las.
Alguém passou ao
seu lado e sentou na poltrona de trás. Parecia ser uma mulher. Ao menos o perfume
era. O motorista subiu e se posicionou lá na frente no meio das poltronas.
- Boa noite a
todos – ouviu algumas pessoas lhe dando boa noite também, mas Rafael não
respondeu – Gostaria de pedir que todos coloquem seus cintos de segurança. Ele
é totalmente ajustável, para seu conforto. Não há saídas de emergência, então,
se houver qualquer problema, se direcionem até a frente e me chamem. Também não
há banheiro, então peço que esperem até a próxima parada, que será na rodoviária, Clube dos
Seiscentos, na divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro. Novamente, desejo uma
boa viagem para todos – saiu e fechou a porta que dava para frente.
Minutos depois, o
ônibus foi ligado e agora dava ré para então sair da rodoviária. Rafael agora
sorria. O coração que antes estava angustiado e nervoso relaxou. Lágrimas
desciam de seu rosto. Ele estava abandonando uma vida toda naquela cidade, se
dirigindo para uma nova vida.
Entretanto,
naquela mesma noite, Rafael conheceria o inferno.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAmeeeei .. quero mais, pf kk !! Te amo primo ♡
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