O homem corria pelos becos entre os
prédios na hora mais avançada da noite. Sua roupa dizia muita coisa sobre si
mesmo, pois, sem sombra de duvidas, estava utilizando uma camisa de força.
Havia apenas um único manicômio na cidade, então era óbvio de onde estava
fugindo. Sua respiração era forte, tentando puxar o ar de onde não vinha. Seus
pulmões já estavam basicamente atrofiados de tanta força que fazia para
respirar. Lágrimas quentes desciam em seu rosto, enquanto o coração se apertava
cada vez mais, como se estivesse sendo enforcado por uma corda. A sensação era de
pura agonia. As pernas tremiam mais do que qualquer coisa e seus olhos estavam
completamente vermelhos, juntamente com as pálpebras extremamente cansadas, o
que denota que não dormia há muito tempo. Talvez nem ele mesmo soubesse para
onde estava indo, entretanto, aquilo era necessário.
Não se importava no que havia em sua
frente, chutando sacos de lixo e derrubando caixas de papelão como se não
fossem nada. O corpo se agitava freneticamente virando o abdome para ambos os
lados várias e várias vezes. Olhava para trás de tempos em tempos, com medo de
estar sendo seguido, mas toda vez que se virava para ver, não havia nada. Tudo estava apenas em sua cabeça, diziam
os psiquiatras, que julgava serem mais loucos do que ele mesmo. Um tinha um chapéu
colorido e ficava rindo sem parar, tomando sua xícara de chá e dizendo
comemorar seu “desaniversário”. Toda a noite gritava, chorava e esperneava,
dizendo ouvir a voz de um gato sorridente rindo de sua vida inútil dentro
daquele lugar endiabrado.
Anos atrás, este mesmo homem passou
por um incidente terrível, dizendo entrar por um buraco numa árvore e cair por
muitos metros. Lá dentro daquele lugar maluco, conheceu criaturas das quais nem
nos piores pesadelos iria encontrar. Teve de tomar uma poção para encolher e depois
outra para crescer. Matou dezenas de homens cartas e uma rainha cabeçuda e
maluca, arrancando sua cabeça. Ao sair dali, ninguém acreditou nele, sendo
internado no hospício de sua cidade e abandonado por sua família. Nada trazia paz, nem conforto, pelo contrário,
chafurdando cada vez mais no desespero infernal. Tentou se suicidar várias
vezes, mas sempre era impedido. Não dormia mais, o que ocasionou problemas de
visão fazendo-o sangrar várias vezes ao dia. A barba estava mais longa do que
um cabelo feminino, mas isso não o incomodava.
Súbito tropeçou em algo que parecia
ser um guarda-chuva velho e quebrado. Perdeu o equilíbrio, escorregou pelo chão
molhado, e como estava com uma camisa de força, não pode se apoiar para não
bater a cabeça, que foi de encontro ao chão fazendo um enorme barulho no beco
em que seguia. Um trovão ecoou no céu no céu ao mesmo tempo em que ele gemeu de
dor. Tentando levar uma das mãos à cabeça para pausar o líquido quente que
descia de sua testa. O gosto de sangue veio a sua boca.
- Bosta. – disse ele em um tom de
desespero. Se fosse visto, seria confundido com um mendigo bêbado e insano.
Agora não conseguia mais levantar. O cansaço e o medo se fundiram em um único
sentimento fugaz, fazendo que relaxasse por apenas alguns segundos. Aquele chão
estava extremamente sujo, cheio de restos de comida e, talvez, até mesmo
dejetos de animais e ele cogitou a pequena possibilidade de dormir por alguns
segundos. Fechou as pálpebras cansadas e deixou sua boca fazer um pequeno
sorriso torto e ensanguentado.
Ha
Ha Ha – uma voz
ecoava pelo ar. Um guincho meio rouco e estranhamente familiar. Abriu os olhos
assustado e sem reação por alguns segundos. Seu rosto empalideceu ao olhar para
o lugar onde estava naquele momento. Flexionou o abdome sentando no chão e
fazendo força com as pernas para se levantar. Reconheceu o lugar para onde fora
levado em seu pequeno descanso no chão. Havia estado ali antes de ser
considerado louco. Estava no alto de uma montanha com gramas verdejantes e
podia ver o mundo ao seu redor. Pássaros estranhos voavam ao lado de serpentes.
Crianças com cabeças de animais estavam passando por ali. Uma lagarta gigante
estava fumando algo em cima de uma nuvem. O mar que estava ao longe estava
repleto de peixes grandes com formas bizarras e grotescas.
Súbito o céu que estava azul se
transformou em vermelho como sangue e as nuvens caíram do céu espalhando um
líquido negro por todo o lugar. As criaturas bizarras fugiam de tudo, mas eram
esmagadas pelas nuvens malditas esparramando liquido negro por seus corpos
agora mortos. A grama secou rapidamente e assim como tudo ao seu redor, se
transformou num grande inferno sem proporções. O homem acompanhava tudo e sabia
aquilo que estava por vir. Sentiu uma presença atrás de si e virou no mesmo
momento. Um facão atravessou seu umbigo abrindo um rombo gigantesco no abdome magro
do louco, que grunhiu com voracidade de uma besta encurralada para o abate.
A dor era insuportável, mas a visão
que estava em sua frente era ainda mais terrível do que qualquer coisa. Uma
criança segurava a corda amarrada na ponta da faca. Seu sorriso era diabólico
mostrando seus dentes afiados e seus olhos de cor vermelha, fazendo com que a
alma do louco fosse arrastada para fossas abissais. Seu cabelo era loiro e
comprido e usava um vestido azul e branco. Lágrimas negras desciam por sua face
assustadora. As mãos estavam ensanguentadas. Ele reconhecia bem aquela figura e
ao seu lado o maldito gato risonho, com seus olhos sempre amarelos e raivosos.
Ele babava como nunca e estava pronto para sua refeição. A camisa de força
branca, agora estava se transformando em escarlate.
- Cheshire, pega. – ela puxou sua
faca de volta arrancando outro grunhido do homem. Imediatamente o gato risonho
e magro correu em sua direção enfiando suas garras no peitoral do homem que
caiu. O banquete estava apenas iniciando. Cheshire começou a devorar seu rosto,
arrancando seu nariz e lábio superior numa única bocada, enquanto dava
gargalhadas. O sangue jorrava por todos os lugares assim como seus gritos
ensurdecedores.
Em seus últimos suspiros, o homem
chegou à conclusão que não se deve adentrar em contos de fada. Eles podem te
comer vivo.