Minha lista de blogs

sábado, 20 de fevereiro de 2016

A Rodoviária


Capítulo 3

Rafael observava as nuvens que passavam na frente da lua cheia. Estavam enegrecidas e muito volumosas. “Só pode ser sinal de mais chuvas vindo por aí”, pensou ele. Realmente, todo aquele mês estava sendo de muitas chuvas, e em vários lugares do Brasil, já haviam ocorrido casos de enchente. Olhou ao seu redor e pode analisar com cautela a rodoviária. Não era muito extensa e nem muito alta. Havia apenas um único andar. Todas as paredes tinham vidros, podendo ver tudo lá dentro. Viu um pequeno local de alimentação. Uma grande geladeira onde estava vários tipos de bebidas. Cadeiras e mesas em formato de circulo rodeavam o local. Uma longa mesa continha diversos tipos de salgados e frios. Tudo isso pode ver do lado de fora. Ao lado dessa praça de alimentação, havia várias estantes com doces e outras coisas amostra, sendo que lá ao fundo, pode ver três caixas para o pagamento dos produtos adquiridos ali. Um pouco mais ao fundo, outra saída. Uma porta com sensor automático com vidros diferentes em formato de ladrilho. Gostaria de analisar aquele lugar com mais cuidado, no entanto, não haveria necessidade. Buscava por uma nova vida e não havia porque fazer tal coisa.
         - Tem certeza que está bem? – a moça estava ao seu lado andando em direção à entrada. Olhava para ele com curiosidade. Um sorriso zombeteiro apareceu se formou em seu rosto.
         - Estou sim. – disse retribuindo o sorriso, mas um pouco sem jeito.
         - E qual seria seu nome? – ela perguntou agora retornando o olhar para frente. A porta de entrada se aproximava e ao seu lado estava uma pequena banca de jornal, fechada.
         - Me chamo Rafael. – ele respondeu olhando para trás. Apenas o ônibus deles estava estacionado ali. O motorista já deveria ter entrado.
         - Eu sou a Luna, se te interessa saber. – disse isso, pois ele não retornou a pergunta para ela. Virou seu rosto e encontrou Luna dando uma risada de canto de boca. Ele se sentiu um pouco envergonhado por não retribuir a gentileza. Em sua “profissão”, gentileza era raro e quase inexistente.
         - Desculpe, eu é... – ela o cortou.
         - Por que você tanto olha para trás e para os lados? – virou seu rosto para os lugares que ele olhara anteriormente. Não havia nada de diferente em lugar algum.
         - Não é nada demais. – tentou mostrar firmeza em sua voz – É que não há pessoas no caixa para atender os clientes. Também não há sequer outro ônibus por aqui. Se esta rodoviária é a única parada que a rota tomada pelo motorista permite parar, então deveria ter outros ônibus aqui.
         - Eu também reparei nisso. – Luna fechou o sorriso e um olhar sério tomou seu rosto.
         - Eu não vi funcionário algum aqui. – foi o último comentário de Rafael.
         A porta da frente se abriu automaticamente, da mesma forma que a porta da saída era feita para abrir devido aos sensores de movimento. Um corredor largo apareceu na frente dos dois. Ao adentrar no local, puderam ver diversos vasos com plantas de plástico colocadas em fileira, para enfeitar o ambiente. Três catracas estavam uma ao lado da outra e, à esquerda, uma bandeja preta com diversas comandas dentro, servindo também de alarme caso alguém tentasse sair sem pagar alguma coisa. Não havia nenhum funcionário do local para recebê-los, até mesmo entregar a comanda. Rafael e Luna se entreolharam e ambos deram de ombro. Passaram e receberam um impacto em seus traseiros com a rotação da catraca. Luna deu um sorriso de canto de boca e deu passos à frente de Rafael. Sua bolsa ficara agarrada na catraca e ele tentou retirá-la fazendo mais força do que devia. Seu olhar fora atraído para as costas da ruiva e, posteriormente, para suas nádegas. Como se o tempo tivesse parado, seus olhos analisaram a curvatura que fazia na calça Jeans da moça. Fazia muito tempo que não tinha nenhum contato sexual com mulheres. Convenceu-se que a primeira coisa que deveria fazer era arrumar uma namorada. Seus pensamentos sexuais analisando o corpo da moça logo se esvaíram.
         - Posso perguntar o que você está olhando, Rafael? – o tempo não parou para Luna. Olhava para ele com um sorriso de canto de boca. Ao acordar de seu pequeno transe momentâneo e sexual, olhou diretamente nos olhos dela. Um pequeno sentimento de vergonha tomou conta do rapaz.
         - Me desculpe. – desviou os olhos para o chão – Eu não queria, é...
         - Não perca a palavra, é super normal um homem olhar a bunda de uma mulher. – suas palavras soaram como se os dois fossem íntimos há bastante tempo.
         - Você acha mesmo? – nesse mesmo instante, um homem passou ao seu lado, batendo o ombro em sua bolsa. Imediatamente, armou-se para golpear o indivíduo, mas não foi necessário. O homem de cabelos grisalhos, camisa e calça social, não deu nenhuma atenção ao conteúdo que havia na bolsa. Sentiu um leve cheiro de perfume e julgou ser feminino. Balançava os quadris de forma estranha e Rafael julgou que fosse homossexual. Foi direto para a praça de alimentação.
         - Eu preciso ir ao banheiro. – Luna andou em direção ao banheiro e parou na frente da porta vermelha, que era maior que ela – Quem sabe depois você me conta o que há nessa sua bolsa para ser protegida com tanta veemência. – deu uma piscadinha, puxou a porta vermelha abrindo-a para fora. Rafael semicerrou seus olhos, mas antes de pensar qualquer coisa, seu estômago fez um barulho avisando que precisava comer e foi o que ele procurou fazer. Andou em direção a praça de alimentação.


         A praça de alimentação era deveras pequena. Várias mesas em formato de círculo estavam vazias, sendo que as pessoas ocupavam algumas. Rafael avistou a menina que apareceu naquele sonho maldito. Olhou para ela fixamente. Ela se balançava na cadeira feita de madeira da mesma forma que tinha feito em seu pesadelo. Procurou esquecer aquilo por tempo.
Uma mesa extensa e retangular estava no meio da praça, cheio de salgados, alguns doces, frutas entre tantas outras coisas.
         Rafael pegou um prato branco que estava sob a mesa de alimentos para comer alguma coisa. Após alguns passos analisando os salgados, encontrou o pão de queijo. Ele adorava pão de queijo. Tinham tamanhos razoáveis e ele decidiu pegar dois. Após colocar em seu prato viu o preço num pequeno cartaz que dizia o valor de cada Pão de Queijo. Assustou-se com o preço, pois pelo tamanho daquele salgado, não valeria a pena comer ali. Outro barulho em sua barriga o avisou que precisava comer e não importava o preço. Andou mais um pouco, passando por coxinhas de franjo e queijo, empadas de frango e carne seca, misto quente, pães com mortadela e folheados de presunto e queijo. Dessa vez, olhou o preço antes de pegar o salgado. O folheado de presunto e queijo estava um pouco mais barato que o pão de queijo. Ele pegou um e colocou embaixo da dupla de pães de queijo. Ao chegar à geladeira aberta, procurou algo que não o fizesse perder o sono, como por exemplo, refrigerantes a base de cafeína. Optou por uma caixinha de Toddynho e saiu dali.
         Sentou-se na mesa mais afastada de todos. Ela ficava perto das lixeiras recicláveis e da entrada para a área de compras. Vendiam revistas, bichos que mexiam a cabeça, brinquedos, doces, e até mesmo outros salgados. Mas, realmente, não havia ninguém no caixa que ficava mais à frente. Esse fato ainda perturbava Rafael. O casal de idosos, que outrora os viu dormindo, esperava algum vendedor aparecer, para que pudessem passar os objetos que haviam escolhido comprar e, talvez assim, voltar para o ônibus. Nenhum dos dois parecia com pressa ou algo assim. Rafael resolveu comer seu folheado de presunto e queijo primeiro. Ele tinha uma paixão enrustida por comidas que continham essa dupla. Mordiscou, sentindo que estava crocante e morno. “Está uma delícia”, pensou dando outra mordida generosa no folheado.
         Observou as pessoas que ali estavam. Duas mulheres com vestidos colados e chamativos estavam conversando enquanto comiam misto quente. Uma loira e outra morena. Tagarelavam alto e isso era extremamente irritante. Uma menina gótica estava sentada perto dele, lendo um livro de capa preta.  Lá perto do casal de idosos, estava um homem negro e mais alto que ele, que vestia um terno cinza e camisa social branca. A gravata de cor vermelha estava frouxa em seu pescoço.
         O homem que trombou com ele na entrada, permanecia ao lado da geladeira parecendo decidir o que iria tomar.
         Ao lado dele, estava um homem muito com uma aparência mais humilde. Usava um chinelo azul claro, bermuda preta sem marca e camisa regata branca com uma pequena mancha de suor abaixo da axila. Para completar, um boné vermelho da aba amarela. Rafael não queria julgar ninguém, no entanto, ver aquelas roupas o fez pensar de que bueiro ele havia saído.
         Olhou ao redor e não encontrou o motorista do ônibus. “Milton, Nilton, algo assim”, tentou lembrar o nome do homem, mas não conseguiu. Uma sombra passou por trás de sua cadeira e sentou na cadeira ao lado.
         - Vamos comer?- era Luna que carregava uma bandeja laranja, contendo uma vasilha com salada de frutas dentro. Vários pedaços de morango, kiwi, manga e outras coisas. Ao lado direito da vasilha, uma colher de tamanho médio. Ao lado esquerdo, um pequeno pote contendo leite condensado com algumas folhas de guardanapo sobre ele. Rafael se lembrou que se esquecera de pegar o guardanapo, mas logo faria isso.
         - Já estou comendo. – o folheado de presunto e queijo acabara. Seu próximo alvo era o pão de queijo maior e com a aparência mais apetitosa.
         - Você nem me esperou, não é? – Luna continuava a falar como se conhecesse o homem há muitos anos.
         - Desculpe, mas estava com muita fome. Meu estômago me alertou disso algumas vezes. – passou a mão esquerda na barriga e levou o pão de queijo à boca.
         - Estou brincando, seu bobão. – Rafael não entendia o motivo de se aproximar dele daquela forma. Ele apenas sorriu – Então – prosseguiu ela puxando algum tipo de assunto – De onde você é?
         - Sou de Santos, e você?
         - Sou do Rio de Janeiro, estou voltando para ficar um tempo com meus pais. –
         - Engraçado – comentou ele – Você não tem sotaque de carioca.
         - É verdade – ela sorriu, abrindo o pote de leite condensado, levando à salada de frutas e esparramando sobre ela – Eu precisava estudar em Santos. Ganhei uma bolsa 100% numa Faculdade.
         - Então você é uma estudante. E qual seria seu curso?
         - Jornalismo. – ela levou uma colher com frutas e leite condensado à boca – Eu sempre gostei muito de escrever – dizia ainda mastigando as frutas – papai teria orgulho de mim.
         - Ele faleceu? – perguntou mesmo não querendo.
         - Há alguns anos atrás.
         - Eu sinto muito.
         - Obrigado, Rafael – nada daquilo afetara seu apetite – Mas, e você? O quê faz em Santos? – seus lindos olhos verdes o observavam com curiosidade.
         - Eu? – ele se assustou um pouco com a pergunta. Começou a devorar o outro pão de queijo que faltava.
         - Sim. Você – apontou o dedo para o rosto de Rafael.
         - Eu... – não poderia dizer a verdade – Trabalho com vendas em telemarketing. – essa foi a pior mentira que contou em toda sua vida.
         - Hum. – saboreava sua salada de frutas e o observava com cuidado. De alguma forma – Você não trabalha com isso.
         - Como assim? – Rafael tentou sorrir, mas o nervosismo tomava conta dele.
         - Isso que você ouviu. Você não trabalha com vendas em Telemarketing.
         - Da onde tirou essa ideia? – ele virou a cabeça para o lado engolindo em seco.
         - Pequenos gestos assim, como o que você fez agora. Seu corpo também é bem forte para quem trabalha com telemarketing.
         - Eu não posso ser um operador de telemarketing que gosta de se exercitar? – tentou entrar no jogo dela – Se não sou isso que afirmei ser, qual minha profissão então?
         - Eu diria que você é segurança de alguma coisa. – ao dizer isso, Rafael empalideceu. Olhou para ela com cautela, tentando não dar nenhum tipo de prova concreta daquilo, mas não havia mais jeito – A-há, te peguei. Você é um segurança.
         - Como pode arriscar palpites assim tão facilmente? – Rafael tentou desconversar.
         - Não é tão fácil como você disse. Mas no seu caso, foi muito simples descobrir. – Olhou para ele de forma zombeteira.
         - Fácil? – o mesmo homem que ele julgara ser homossexual, passou na frente dos dois, desviando das cadeiras com seu jeito de andar estranho. Rafael acompanhou com os olhos e viu o homem entrar no banheiro.
         - Está vendo? É por isso que analisar você foi muito fácil. – ela o observava – Você olha para todo mundo com cautela, sempre procurando desviar das pessoas e não ter contato físico com ninguém. Quando esse contato acontece, você olha a pessoa de modo estranho, como se estivesse querendo... – ela parou de falar, seus olhos cresceram como se tivesse descobrindo algo importante – Como se fosse um fugitivo.
         Rafael não gostava quando pessoas lhe perguntavam coisas sobre sua vida pessoal. Acreditava que sua vida interessava apenas a ele mesmo. Seus pais haviam morrido há muitos anos, quando ele ainda era uma criança, e agora seu pai adotivo e chefe, também estava morto. Ele se levantou da cadeira onde estava. Seus olhos ardiam em chamas.
         - Fique com suas confabulações, Luna. – pegou sua bandeja e ia saindo dali – Não tenho tempo disponível para essas besteiras. – ela ia puxar o braço dele, mas todos que estavam no lugar levaram suas atenções para o banheiro. Um grito estridente veio do lugar. O silêncio pairou sobre o local por míseros segundos. O horror e a curiosidade das pessoas tomavam conta do local agora. Rafael olhou para Luna e ambos não oscilaram nenhuma reação. O homem que estava vestido mais simples correu em direção ao banheiro. Não demorou muito até que muitas pessoas fizessem o mesmo. Rafael se desvencilhou do aperto que a mão de Luna fazia em seu antebraço e correu para o banheiro também. Seja lá o que tivesse ocorrido, precisava ver.
         Ao chegar à porta do banheiro masculino, que já estava aberta devido às pessoas que entraram, Rafael se deparou com as duas mulheres com roupas apertadas, correndo para fora do local. Não somente elas, mas também o casal de idosos. A mulher idosa chorava e soluçava. Seu marido a conduzia para fora. Ele viu algumas pessoas que olhavam com horror para o chão. Deu alguns passos e antes que pudesse entrar no círculo, pisou numa poça. Ao olhar para baixo, seus pés pisavam numa gigante poça de sangue. O cheiro de morte estava impregnado no local. Não foi necessário dar mais passos para ver o que estava acontecendo. O homem de terno cinza saiu de sua frente, foi até a pia, trocando os pés e vomitou.
         O motorista do ônibus jazia no chão, inerte. Sua pele possuía um tom mais pálido que o normal. Seu corpo estava dilacerado. Seu braço esquerdo fora cortado em três partes diferentes, e todas elas estavam em diferentes locais do banheiro. As pernas estavam trituradas, como se um enorme Leão as tivesse mastigado. A cabeça estava decepada e um pouco mais distante dali. Seu rosto estava quase deformado, sendo que seu nariz jazia dentro de uma das pias, onde jorrava água sobre o membro decepado. Nilson estava com a barriga virada para cima. Várias marcas de cortes estavam por todo seu corpo.
         Rafael arregalava seus olhos com vontade. Nunca em sua vida havia visto tamanha brutalidade. Quem poderia ter feito aquilo e qual o motivo de tudo isso? Outro fator importante. Como ninguém ouviu aquilo? Ninguém conseguia se aproximar muito do corpo. Era visível que todas as pessoas daquele local estavam horrorizadas, e quando isso ocorre, o tempo de reação de cada um é atrasado. O homenzarrão de boné estava de cócoras analisando o corpo do motorista, como se fosse um profundo conhecedor de anatomia. Ele tocou no peitoral do indivíduo onde estava um grande corte profundo, passando os dedos por toda a extremidade.
         - Que diabos você está fazendo? – disse o sujeito que acabara de vomitar na pia. Era notável que ainda queria vomitar mais.
         - Esses cortes... – começou a dizer ignorando a pergunta do outro indivíduo – Foram feitos por alguma arma extremamente afiada. Um facão, ou qualquer espada muito bem afiada não conseguiria fazer tudo isso perfeitamente.
         - E como você pode entender de cortes perfeitos? – o homem de terno aproximou-se do corpo, com a mão na boca – É algum tipo de serial killer? – o comentário foi extremamente sarcástico.
         - Não deveria fazer piadas num momento desses, amigo. – enfatizou o homem, ainda analisando o corpo inerte – Se você tivesse entrado mais cedo nesse banheiro, todos nós poderíamos estar olhando para seu corpo dilacerado.
         - Como é que é, seu f... – sua frase foi interrompida pelo grito de uma mulher. Rafael olhou para trás e viu a mãe da garota segurando sua bolsa, sem reação. A menina acabara de entrar no banheiro. Sua mãe ainda estava num transe, quando sua filha também soltou um fino grito. Luna, que estava logo atrás de Rafael, correu até a porta e entrou na frente das duas.
         - Senhora, por favor, saia daqui – ela tentou empurrar a mulher e sua filha para fora, mas ela resistia.
         - O que aconteceu, o que aconteceu, o que aconteceu? – as perguntas vinham de forma repetida e descontrolada.
         - Senhora, sua filha está em pânico. Por favor, saia! – Luna olhou para Rafael, como se pedisse ajuda mentalmente. Ele entendeu o recado e foi até as três a passos largos. Percebeu que a ponta de sua bota estava suja com o sangue do motorista.
         - Por favor, o que houve, pelo amor de Deus, alguém me explica, por favor, por favor, por favor... – ela ainda continuava a falar e tentava forçar Luna para trás.
         - Ouça! – Rafael estendeu seu braço, colocando a mão firmemente sobre o ombro da mulher aterrorizada. Pressionou tão forte, que ela esqueceu por alguns segundos o corpo do motorista, olhando fixo para o homem que apertava seu ombro – Escute com atenção o que vou lhe dizer. Acredito que não sabemos muito sobre o que aconteceu aqui. A única coisa que tenho certeza, é que esse assassinato ocorreu há minutos atrás. Agora preciso que saia daqui e cuide de sua filha. – a mulher olhou para a menina, que estava muito mais horrorizada que a mãe. Ela tomou sua filha em seu colo e saiu do banheiro sem dizer nada.
         - Luna – agora Rafael se dirigia à curiosa mulher que conhecera a poucos minutos  - Veja se ela precisa de alguma ajuda.
         - Que merda está acontecendo aqui, Rafael? – embora demonstrasse um pouco de valentia, ele conseguiu ver medo e dúvida em seu olhar.
         - Não sei, Luna. – mas seja o que for, a resposta não está nesse banheiro. Precisamos organizar os pensamentos e buscar a clareza dos fatos. Você está com medo, eu também estou. – segurou em seu ombro da mesma forma que fez com a mulher, entretanto, com menos força – Por favor, Luna.
         Ela olhou dentro de seus olhos e por alguns segundos tudo parou ao seu redor. Não conhecia aquele sujeito, mas não conseguiu dizer um “não”. Ele tinha razão. A parte ruim do medo, é que não podemos deixar que ele domine. Caso isso aconteça, tudo desmorona e não conseguimos encontrar resposta do que fazer.
         - Está bem. – consentiu com tudo o que ele disse. Virou as costas e saiu porta a fora.
         Rafael olhou por sob o ombro. O homem continuava a analisar o corpo do motorista como se fosse um médico legista. Conversava com o outro, que estava de pé, com cara de nojo para tudo aquilo. Aproximou-se dos dois. Ouviu o barulho da porta se abrindo e olhou para trás novamente, pensando ser Luna.
A garota gótica adentrava o lugar, segurando seu livro preto. Olhou bem para o corpo do motorista dilacerado. Espantou-se com tudo aquilo. Ela se aproximou de Rafael.
- O que aconteceu aqui? – sua frase não soou como se estivesse com medo. Pelo contrário, parecia estar mais curiosa do que qualquer outra coisa.
- Eu não sei. – respondeu Rafael, analisando rapidamente o corpo da moça – Aquele cara ali no chão sentado gritou e todos vieram correndo. – se referiu ao homem que havia esbarrado nele. Tinha o cabelo um pouco grisalho e seu tom de pele era meio moreno. Agora ele estava sentado no chão, chorando e soluçando.
O homem de boné que analisava o corpo do motorista olhou direto para Rafael.
- Ligue para a polícia. Eles precisam ver o que esta acontecendo aqui. – Rafael sentiu uma pontada de medo e raiva. Não queria chamar polícia alguma, além de não gostar que ninguém mande que faça qualquer coisa.
- Não tenho celular. – ele respondeu de modo seco fechando o rosto e franzindo a testa.
- Bom, então vá chamar alguém. – o homem continuava dando ordens.
- Quem você pensa que é para ordenar que eu faça alguma coisa? – Rafael respondeu se aproximando dele.
- Meu nome é Marcos e sou bombeiro. Acredito que seja o homem mais preparado aqui para esse tipo de situação. – engrossou a voz ao responder.
- Seu nome ou sua profissão não me interessam. O que me interessa é saber o que aconteceu aqui.
- Senhores! – o homem de terno entrou no meio da conversa sem ser chamado – Eu tenho um celular aqui. Vou ligar para a polícia. – colocou a mão no bolso esquerdo e puxou seu celular. Rafael e Marcos se entreolharam e não responderam mais nada – Bosta. – a atenção foi atraída para o homem de terno – Não tenho sinal nenhum.
- Droga – Marcos respondeu para si mesmo. Olhou para trás e viu o homem chorando e sentado no chão – Hey, por que está chorando tanto assim? Tem gente que não serve para nada mesmo.
- Não deveria falar assim. – dessa vez quem se pronunciou foi a garota gótica. Todos olhanram para ela – Se ele foi o primeiro a entrar e ver o corpo do motorista, não deveríamos perguntar o que ele viu? Afinal ofender pessoas não vai fazer ninguém ir para frente aqui.
Ela tinha razão. Até o momento ninguém havia perguntado nada para o homem choroso. Olharam para ele.
- Quando você entrou aqui. – Marcos começou a falar – O que você viu?
         Ele nada respondia. Só chorava e se contorcia de forma estranha. Colocando as mãos na têmpora e bagunçando o cabelo grisalho. Um silêncio se fez por quase um minuto para ouvirem o que o homem tinha a dizer, mas ele nada falava. Marcos deu de ombros.
         - Eu sabia. – começou a falar após todo aquele silêncio – Esse cara não viu exatamen... – não saberiam o que ele iria dizer nunca, pois um grito foi ouvido e veio exatamente do homem. Ele se levantou em menos de dois segundos, como se tivesse tomado uma injeção de adrenalina.
         - Os olhos, olhos, olhos ele repetia as palavras de forma insana. Babava pelos cantos da boca e seus olhos estavam extremamente vermelhos – Não, não, nãããããão, os olhos, olhos, não – num ímpeto de fúria e loucura, correu até o homem de terno, balançando os braços e gritando de forma gutural. Não houve outra reação senão desviar do louco e foi o que ele fez. Jogou-se para a esquerda. O homem cabeceou com muita força o vidro do espelho, que se desfez em milhões de pedaços. Rafael deu passos para trás ao ver tudo aquilo.
         O sangue desceu da cabeça do homem, que ficou com as pernas bambas. Virou os olhos e caiu no chão, desmaiado.
         Novamente o silêncio surgiu. Parecia que todos haviam cortado as respirações, pois não se ouvia barulho de nada. Rafael, Marcos, a menina Gótica e o Homem de terno, apenas olhavam para o indivíduo que acabara de se auto-flagelar. Marcos foi o primeiro a falar. Levantou-se do chão, limpou as mãos que continham sangue do motorista na própria roupa.
         - Algo muito sério aconteceu aqui. – ele resolveu romper o silêncio. Todos olharam diretamente para seu rosto – Esse sujeito acabou de ter um momento de loucura por algo que ele viu. Isso o torna muito importante. Vou levar esse cara para fora. – agachou e colocou o homem sob seu ombro direito. Parecia que tinha muita força no braço para levantar um homem com tanta facilidade – Você aí de terno, qual seu nome?
         - É...Sou George. – ele ainda não havia entendido nada do que tinha acontecido.
         - Preciso que me acompanhe até o ônibus, George. – ele já dava passos em direção à saída, quando Rafael interveio entrando em sua frente.
         - Isso é uma péssima ideia. – Marcos parou de andar ao ver que tinha agora alguém barrando sua frente.
         - Uma péssima ideia? – continuou a andar, agora para cima de Rafael – Dentro daquele maldito ônibus está a minha bolsa. Dentro da minha bolsa há um Kit de primeiros socorros. Não é uma boa ideia? Salvar a vida de um homem que está sangrando como um boi no dia de seu abate?
         - Não é isso. – Rafael tentou contornar o que o homenzarrão dizia – Se há realmente um assassino nesse local, devemos permanecer juntos. O grupo não pode se separar, caso isso ocorra pode acontecer outra v... – Não houve tempo de continuar. Luna entrou no banheiro as pressas. Sua bochecha direita estava com uma marca vermelha, como se houvesse sido golpeada ali.
         - Rafael. – ela começou a falar, esbaforida – Eu não consegui segurá-la. Ela... Ela...
         - Luna, acalme-se, me diga o que houve. – disse Rafael saindo da frente de Marcos e indo até Luna.
         - Ela voltou para o ônibus. O celular dela não pegava sinal nenhum, então correu para fora dizendo ter outro celular na bolsa de viagem. – falava de forma rápida e sem pausa – Eu tentei segurá-la, mas ela me acertou com dois tapas fortes na cara e correu para fora.
         Não houve tempo para refletir em sua ação. Rafael só pode falar.
         - Bosta.




         Rafael e Marcos saíram disparados pela porta da frente, que entraram mais cedo. Observaram um estranho nevoeiro se aproximando rapidamente. Quando chegaram ao ônibus, viram que tinha alguém perto da janela. Marcos foi o primeiro a subir os degraus, seguido por Rafael.
         As luzes do ônibus estavam todas acesas e o cheiro de coisa nova, ainda permanecia no local. O corredor seguia com suas poltronas em seu devido lugar. Nada havia mudado, exceto pela mulher que estava apoiada sobre o encosto de uma poltrona. Olhando de relance, puderam ver uma bolsa de viagem sob a poltrona onde ela estava com seu torço apoiado. O cabelo loiro permanecia para frente de sua cabeça, extremamente bagunçado. Ela não se movia, nem suas mãos que estavam dentro da bolsa de viagem demonstravam o menor sinal de movimento.
         Marcos se aproximava devagar.
         - Senhora? – ele rompeu o silêncio – Está tudo bem? – não houve sinal de resposta.
         - Precisamos que nos acompanhe de volta para dentro. – Rafael completou – Não é seguro aqui. Precisamos retornar imediatamente. – algo não estava certo, a mulher não respondia, nem demonstrava qualquer reação.
         Marcos, que estava passos à frente de Rafael, parou. Não se moveu por quase dez segundos. Rafael não entendeu o motivo daquilo e andou mais rapidamente para perto do bombeiro. Começou a ouvir um pequeno barulho ao se aproximar cada vez mais.
         - O que é agor...? – a boca de Marcos estava totalmente aberta. Lágrimas desciam de seus olhos e seu corpo tremia muito. Quando Rafael olhou para a mulher, compreendeu o que se passava.

         A parte de cima do corpo pendia sob o encosto da poltrona, sendo que a parte debaixo havia sido arrancada e estava jogada no chão. O sangue descia como se fosse um rio. Mas o pior estava por vir. Rafael viu apenas de relance, mas algo estava em cima dos membros inferiores da mulher estirados no chão. Uma forma grotesca e indescritível devorava suas pernas, como se comesse um frango assado de domingo. As mãos eram disformes, com vários dedos, um maior que o outro. A diabrura parou de comer. Marcos gritou e depois tudo aconteceu muito rápido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário