Capítulo 3
Rafael observava as nuvens que passavam na frente
da lua cheia. Estavam enegrecidas e muito volumosas. “Só pode ser sinal de mais chuvas vindo por aí”, pensou ele.
Realmente, todo aquele mês estava sendo de muitas chuvas, e em vários lugares
do Brasil, já haviam ocorrido casos de enchente. Olhou ao seu redor e pode
analisar com cautela a rodoviária. Não era muito extensa e nem muito alta.
Havia apenas um único andar. Todas as paredes tinham vidros, podendo ver tudo
lá dentro. Viu um pequeno local de alimentação. Uma grande geladeira onde
estava vários tipos de bebidas. Cadeiras e mesas em formato de circulo rodeavam
o local. Uma longa mesa continha diversos tipos de salgados e frios. Tudo isso
pode ver do lado de fora. Ao lado dessa praça de alimentação, havia várias
estantes com doces e outras coisas amostra, sendo que lá ao fundo, pode ver
três caixas para o pagamento dos produtos adquiridos ali. Um pouco mais ao
fundo, outra saída. Uma porta com sensor automático com vidros diferentes em
formato de ladrilho. Gostaria de analisar aquele lugar com mais cuidado, no
entanto, não haveria necessidade. Buscava por uma nova vida e não havia porque
fazer tal coisa.
- Tem certeza que está bem? – a moça estava ao seu lado
andando em direção à entrada. Olhava para ele com curiosidade. Um sorriso
zombeteiro apareceu se formou em seu rosto.
- Estou sim. – disse retribuindo o sorriso, mas um pouco sem
jeito.
- E qual seria seu nome? – ela perguntou agora retornando o
olhar para frente. A porta de entrada se aproximava e ao seu lado estava uma
pequena banca de jornal, fechada.
- Me chamo Rafael. – ele respondeu olhando para trás. Apenas
o ônibus deles estava estacionado ali. O motorista já deveria ter entrado.
- Eu sou a Luna, se te interessa saber. – disse isso, pois
ele não retornou a pergunta para ela. Virou seu rosto e encontrou Luna dando
uma risada de canto de boca. Ele se sentiu um pouco envergonhado por não
retribuir a gentileza. Em sua “profissão”, gentileza era raro e quase
inexistente.
- Desculpe, eu é... – ela o cortou.
- Por que você tanto olha para trás e para os lados? – virou
seu rosto para os lugares que ele olhara anteriormente. Não havia nada de
diferente em lugar algum.
- Não é nada demais. – tentou mostrar firmeza em sua voz – É
que não há pessoas no caixa para atender os clientes. Também não há sequer
outro ônibus por aqui. Se esta rodoviária é a única parada que a rota tomada
pelo motorista permite parar, então deveria ter outros ônibus aqui.
- Eu também reparei nisso. – Luna fechou o sorriso e um
olhar sério tomou seu rosto.
- Eu não vi funcionário algum aqui. – foi o último
comentário de Rafael.
A porta da frente se abriu automaticamente, da mesma forma
que a porta da saída era feita para abrir devido aos sensores de movimento. Um
corredor largo apareceu na frente dos dois. Ao adentrar no local, puderam ver
diversos vasos com plantas de plástico colocadas em fileira, para enfeitar o
ambiente. Três catracas estavam uma ao lado da outra e, à esquerda, uma bandeja
preta com diversas comandas dentro, servindo também de alarme caso alguém
tentasse sair sem pagar alguma coisa. Não havia nenhum funcionário do local
para recebê-los, até mesmo entregar a comanda. Rafael e Luna se entreolharam e
ambos deram de ombro. Passaram e receberam um impacto em seus traseiros com a
rotação da catraca. Luna deu um sorriso de canto de boca e deu passos à frente
de Rafael. Sua bolsa ficara agarrada na catraca e ele tentou retirá-la fazendo
mais força do que devia. Seu olhar fora atraído para as costas da ruiva e, posteriormente,
para suas nádegas. Como se o tempo tivesse parado, seus olhos analisaram a
curvatura que fazia na calça Jeans da moça. Fazia muito tempo que não tinha
nenhum contato sexual com mulheres. Convenceu-se que a primeira coisa que
deveria fazer era arrumar uma namorada. Seus pensamentos sexuais analisando o
corpo da moça logo se esvaíram.
- Posso perguntar o que você está olhando, Rafael? – o tempo
não parou para Luna. Olhava para ele com um sorriso de canto de boca. Ao
acordar de seu pequeno transe momentâneo e sexual, olhou diretamente nos olhos
dela. Um pequeno sentimento de vergonha tomou conta do rapaz.
- Me desculpe. – desviou os olhos para o chão – Eu não
queria, é...
- Não perca a palavra, é super normal um homem olhar a bunda
de uma mulher. – suas palavras soaram como se os dois fossem íntimos há
bastante tempo.
- Você acha mesmo? – nesse mesmo instante, um homem passou ao
seu lado, batendo o ombro em sua bolsa. Imediatamente, armou-se para golpear o
indivíduo, mas não foi necessário. O homem de cabelos grisalhos, camisa e calça
social, não deu nenhuma atenção ao conteúdo que havia na bolsa. Sentiu um leve
cheiro de perfume e julgou ser feminino. Balançava os quadris de forma estranha
e Rafael julgou que fosse homossexual. Foi direto para a praça de alimentação.
- Eu preciso ir ao banheiro. – Luna andou em direção ao
banheiro e parou na frente da porta vermelha, que era maior que ela – Quem sabe
depois você me conta o que há nessa sua bolsa para ser protegida com tanta
veemência. – deu uma piscadinha, puxou a porta vermelha abrindo-a para fora.
Rafael semicerrou seus olhos, mas antes de pensar qualquer coisa, seu estômago
fez um barulho avisando que precisava comer e foi o que ele procurou fazer. Andou
em direção a praça de alimentação.
A praça de alimentação era deveras pequena. Várias mesas em
formato de círculo estavam vazias, sendo que as pessoas ocupavam algumas.
Rafael avistou a menina que apareceu naquele sonho maldito. Olhou para ela
fixamente. Ela se balançava na cadeira feita de madeira da mesma forma que
tinha feito em seu pesadelo. Procurou esquecer aquilo por tempo.
Uma mesa extensa
e retangular estava no meio da praça, cheio de salgados, alguns doces, frutas
entre tantas outras coisas.
Rafael pegou um prato branco que estava sob a mesa de
alimentos para comer alguma coisa. Após alguns passos analisando os salgados,
encontrou o pão de queijo. Ele adorava pão de queijo. Tinham tamanhos razoáveis
e ele decidiu pegar dois. Após colocar em seu prato viu o preço num pequeno
cartaz que dizia o valor de cada Pão de Queijo. Assustou-se com o preço, pois
pelo tamanho daquele salgado, não valeria a pena comer ali. Outro barulho em
sua barriga o avisou que precisava comer e não importava o preço. Andou mais um
pouco, passando por coxinhas de franjo e queijo, empadas de frango e carne
seca, misto quente, pães com mortadela e folheados de presunto e queijo. Dessa
vez, olhou o preço antes de pegar o salgado. O folheado de presunto e queijo
estava um pouco mais barato que o pão de queijo. Ele pegou um e colocou embaixo
da dupla de pães de queijo. Ao chegar à geladeira aberta, procurou algo que não
o fizesse perder o sono, como por exemplo, refrigerantes a base de cafeína.
Optou por uma caixinha de Toddynho e saiu dali.
Sentou-se na mesa mais afastada de todos. Ela ficava perto
das lixeiras recicláveis e da entrada para a área de compras. Vendiam revistas,
bichos que mexiam a cabeça, brinquedos, doces, e até mesmo outros salgados.
Mas, realmente, não havia ninguém no caixa que ficava mais à frente. Esse fato
ainda perturbava Rafael. O casal de idosos, que outrora os viu dormindo,
esperava algum vendedor aparecer, para que pudessem passar os objetos que
haviam escolhido comprar e, talvez assim, voltar para o ônibus. Nenhum dos dois
parecia com pressa ou algo assim. Rafael resolveu comer seu folheado de
presunto e queijo primeiro. Ele tinha uma paixão enrustida por comidas que
continham essa dupla. Mordiscou, sentindo que estava crocante e morno. “Está uma delícia”, pensou dando outra
mordida generosa no folheado.
Observou as pessoas que ali estavam. Duas mulheres com
vestidos colados e chamativos estavam conversando enquanto comiam misto quente.
Uma loira e outra morena. Tagarelavam alto e isso era extremamente irritante.
Uma menina gótica estava sentada perto dele, lendo um livro de capa preta. Lá perto do casal de idosos, estava um homem
negro e mais alto que ele, que vestia um terno cinza e camisa social branca. A
gravata de cor vermelha estava frouxa em seu pescoço.
O homem que trombou com ele na entrada, permanecia ao lado da
geladeira parecendo decidir o que iria tomar.
Ao lado dele, estava um homem muito com uma aparência mais
humilde. Usava um chinelo azul claro, bermuda preta sem marca e camisa regata branca
com uma pequena mancha de suor abaixo da axila. Para completar, um boné
vermelho da aba amarela. Rafael não queria julgar ninguém, no entanto, ver
aquelas roupas o fez pensar de que bueiro ele havia saído.
Olhou ao redor e não encontrou o motorista do ônibus. “Milton, Nilton, algo assim”, tentou
lembrar o nome do homem, mas não conseguiu. Uma sombra passou por trás de sua
cadeira e sentou na cadeira ao lado.
- Vamos comer?- era Luna que carregava uma bandeja laranja,
contendo uma vasilha com salada de frutas dentro. Vários pedaços de morango,
kiwi, manga e outras coisas. Ao lado direito da vasilha, uma colher de tamanho
médio. Ao lado esquerdo, um pequeno pote contendo leite condensado com algumas
folhas de guardanapo sobre ele. Rafael se lembrou que se esquecera de pegar o
guardanapo, mas logo faria isso.
- Já estou comendo. – o folheado de presunto e queijo
acabara. Seu próximo alvo era o pão de queijo maior e com a aparência mais
apetitosa.
- Você nem me esperou, não é? – Luna continuava a falar como
se conhecesse o homem há muitos anos.
- Desculpe, mas estava com muita fome. Meu estômago me alertou
disso algumas vezes. – passou a mão esquerda na barriga e levou o pão de queijo
à boca.
- Estou brincando, seu bobão. – Rafael não entendia o motivo
de se aproximar dele daquela forma. Ele apenas sorriu – Então – prosseguiu ela
puxando algum tipo de assunto – De onde você é?
- Sou de Santos, e você?
- Sou do Rio de Janeiro, estou voltando para ficar um tempo
com meus pais. –
- Engraçado – comentou ele – Você não tem sotaque de
carioca.
- É verdade – ela sorriu, abrindo o pote de leite condensado,
levando à salada de frutas e esparramando sobre ela – Eu precisava estudar em
Santos. Ganhei uma bolsa 100% numa Faculdade.
- Então você é uma estudante. E qual seria seu curso?
- Jornalismo. – ela levou uma colher com frutas e leite
condensado à boca – Eu sempre gostei muito de escrever – dizia ainda mastigando
as frutas – papai teria orgulho de mim.
- Ele faleceu? – perguntou mesmo não querendo.
- Há alguns anos atrás.
- Eu sinto muito.
- Obrigado, Rafael – nada daquilo afetara seu apetite – Mas,
e você? O quê faz em Santos? – seus lindos olhos verdes o observavam com
curiosidade.
- Eu? – ele se assustou um pouco com a pergunta. Começou a
devorar o outro pão de queijo que faltava.
- Sim. Você – apontou o dedo para o rosto de Rafael.
- Eu... – não poderia dizer a verdade – Trabalho com vendas
em telemarketing. – essa foi a pior mentira que contou em toda sua vida.
- Hum. – saboreava sua salada de frutas e o observava com
cuidado. De alguma forma – Você não trabalha com isso.
- Como assim? – Rafael tentou sorrir, mas o nervosismo
tomava conta dele.
- Isso que você ouviu. Você não trabalha com vendas em
Telemarketing.
- Da onde tirou essa ideia? – ele virou a cabeça para o lado
engolindo em seco.
- Pequenos gestos assim, como o que você fez agora. Seu
corpo também é bem forte para quem trabalha com telemarketing.
- Eu não posso ser um operador de telemarketing que gosta de
se exercitar? – tentou entrar no jogo dela – Se não sou isso que afirmei ser,
qual minha profissão então?
- Eu diria que você é segurança de alguma coisa. – ao dizer
isso, Rafael empalideceu. Olhou para ela com cautela, tentando não dar nenhum
tipo de prova concreta daquilo, mas não havia mais jeito – A-há, te peguei.
Você é um segurança.
- Como pode arriscar palpites assim tão facilmente? – Rafael
tentou desconversar.
- Não é tão fácil como você disse. Mas no seu caso, foi
muito simples descobrir. – Olhou para ele de forma zombeteira.
- Fácil? – o mesmo homem que ele julgara ser homossexual,
passou na frente dos dois, desviando das cadeiras com seu jeito de andar
estranho. Rafael acompanhou com os olhos e viu o homem entrar no banheiro.
- Está vendo? É por isso que analisar você foi muito fácil. –
ela o observava – Você olha para todo mundo com cautela, sempre procurando
desviar das pessoas e não ter contato físico com ninguém. Quando esse contato
acontece, você olha a pessoa de modo estranho, como se estivesse querendo... –
ela parou de falar, seus olhos cresceram como se tivesse descobrindo algo
importante – Como se fosse um fugitivo.
Rafael não gostava quando pessoas lhe perguntavam coisas
sobre sua vida pessoal. Acreditava que sua vida interessava apenas a ele mesmo.
Seus pais haviam morrido há muitos anos, quando ele ainda era uma criança, e
agora seu pai adotivo e chefe, também estava morto. Ele se levantou da cadeira
onde estava. Seus olhos ardiam em chamas.
- Fique com suas confabulações, Luna. – pegou sua bandeja e
ia saindo dali – Não tenho tempo disponível para essas besteiras. – ela ia
puxar o braço dele, mas todos que estavam no lugar levaram suas atenções para o
banheiro. Um grito estridente veio do lugar. O silêncio pairou sobre o local
por míseros segundos. O horror e a curiosidade das pessoas tomavam conta do local
agora. Rafael olhou para Luna e ambos não oscilaram nenhuma reação. O homem que
estava vestido mais simples correu em direção ao banheiro. Não demorou muito
até que muitas pessoas fizessem o mesmo. Rafael se desvencilhou do aperto que a
mão de Luna fazia em seu antebraço e correu para o banheiro também. Seja lá o
que tivesse ocorrido, precisava ver.
Ao chegar à porta do banheiro masculino, que já estava
aberta devido às pessoas que entraram, Rafael se deparou com as duas mulheres
com roupas apertadas, correndo para fora do local. Não somente elas, mas também
o casal de idosos. A mulher idosa chorava e soluçava. Seu marido a conduzia
para fora. Ele viu algumas pessoas que olhavam com horror para o chão. Deu
alguns passos e antes que pudesse entrar no círculo, pisou numa poça. Ao olhar
para baixo, seus pés pisavam numa gigante poça de sangue. O cheiro de morte
estava impregnado no local. Não foi necessário dar mais passos para ver o que
estava acontecendo. O homem de terno cinza saiu de sua frente, foi até a pia,
trocando os pés e vomitou.
O motorista do ônibus jazia no chão, inerte. Sua pele
possuía um tom mais pálido que o normal. Seu corpo estava dilacerado. Seu braço
esquerdo fora cortado em três partes diferentes, e todas elas estavam em
diferentes locais do banheiro. As pernas estavam trituradas, como se um enorme
Leão as tivesse mastigado. A cabeça estava decepada e um pouco mais distante
dali. Seu rosto estava quase deformado, sendo que seu nariz jazia dentro de uma
das pias, onde jorrava água sobre o membro decepado. Nilson estava com a
barriga virada para cima. Várias marcas de cortes estavam por todo seu corpo.
Rafael arregalava seus olhos com vontade. Nunca em sua vida havia
visto tamanha brutalidade. Quem poderia ter feito aquilo e qual o motivo de
tudo isso? Outro fator importante. Como ninguém ouviu aquilo? Ninguém conseguia
se aproximar muito do corpo. Era visível que todas as pessoas daquele local
estavam horrorizadas, e quando isso ocorre, o tempo de reação de cada um é
atrasado. O homenzarrão de boné estava de cócoras analisando o corpo do motorista,
como se fosse um profundo conhecedor de anatomia. Ele tocou no peitoral do
indivíduo onde estava um grande corte profundo, passando os dedos por toda a
extremidade.
- Que diabos você está fazendo? – disse o sujeito que
acabara de vomitar na pia. Era notável que ainda queria vomitar mais.
- Esses cortes... – começou a dizer ignorando a pergunta do
outro indivíduo – Foram feitos por alguma arma extremamente afiada. Um facão,
ou qualquer espada muito bem afiada não conseguiria fazer tudo isso
perfeitamente.
- E como você pode entender de cortes perfeitos? – o homem
de terno aproximou-se do corpo, com a mão na boca – É algum tipo de serial
killer? – o comentário foi extremamente sarcástico.
- Não deveria fazer piadas num momento desses, amigo. –
enfatizou o homem, ainda analisando o corpo inerte – Se você tivesse entrado
mais cedo nesse banheiro, todos nós poderíamos estar olhando para seu corpo
dilacerado.
- Como é que é, seu f... – sua frase foi interrompida pelo
grito de uma mulher. Rafael olhou para trás e viu a mãe da garota segurando sua
bolsa, sem reação. A menina acabara de entrar no banheiro. Sua mãe ainda estava
num transe, quando sua filha também soltou um fino grito. Luna, que estava logo
atrás de Rafael, correu até a porta e entrou na frente das duas.
- Senhora, por favor, saia daqui – ela tentou empurrar a
mulher e sua filha para fora, mas ela resistia.
- O que aconteceu, o
que aconteceu, o que aconteceu? – as perguntas vinham de forma repetida e
descontrolada.
- Senhora, sua filha está em pânico. Por favor, saia! – Luna
olhou para Rafael, como se pedisse ajuda mentalmente. Ele entendeu o recado e
foi até as três a passos largos. Percebeu que a ponta de sua bota estava suja
com o sangue do motorista.
- Por favor, o que
houve, pelo amor de Deus, alguém me explica, por favor, por favor, por favor...
– ela ainda continuava a falar e tentava forçar Luna para trás.
- Ouça! – Rafael estendeu seu braço, colocando a mão
firmemente sobre o ombro da mulher aterrorizada. Pressionou tão forte, que ela
esqueceu por alguns segundos o corpo do motorista, olhando fixo para o homem
que apertava seu ombro – Escute com atenção o que vou lhe dizer. Acredito que
não sabemos muito sobre o que aconteceu aqui. A única coisa que tenho certeza,
é que esse assassinato ocorreu há minutos atrás. Agora preciso que saia daqui e
cuide de sua filha. – a mulher olhou para a menina, que estava muito mais
horrorizada que a mãe. Ela tomou sua filha em seu colo e saiu do banheiro sem
dizer nada.
- Luna – agora Rafael se dirigia à curiosa mulher que
conhecera a poucos minutos - Veja se ela
precisa de alguma ajuda.
- Que merda está acontecendo aqui, Rafael? – embora
demonstrasse um pouco de valentia, ele conseguiu ver medo e dúvida em seu
olhar.
- Não sei, Luna. – mas seja o que for, a resposta não está
nesse banheiro. Precisamos organizar os pensamentos e buscar a clareza dos
fatos. Você está com medo, eu também estou. – segurou em seu ombro da mesma
forma que fez com a mulher, entretanto, com menos força – Por favor, Luna.
Ela olhou dentro de seus olhos e por alguns segundos tudo
parou ao seu redor. Não conhecia aquele sujeito, mas não conseguiu dizer um
“não”. Ele tinha razão. A parte ruim do medo, é que não podemos deixar que ele
domine. Caso isso aconteça, tudo desmorona e não conseguimos encontrar resposta
do que fazer.
- Está bem. – consentiu com tudo o que ele disse. Virou as
costas e saiu porta a fora.
Rafael olhou por sob o ombro. O homem continuava a analisar
o corpo do motorista como se fosse um médico legista. Conversava com o outro,
que estava de pé, com cara de nojo para tudo aquilo. Aproximou-se dos dois.
Ouviu o barulho da porta se abrindo e olhou para trás novamente, pensando ser
Luna.
A garota gótica
adentrava o lugar, segurando seu livro preto. Olhou bem para o corpo do
motorista dilacerado. Espantou-se com tudo aquilo. Ela se aproximou de Rafael.
- O que aconteceu
aqui? – sua frase não soou como se estivesse com medo. Pelo contrário, parecia
estar mais curiosa do que qualquer outra coisa.
- Eu não sei. –
respondeu Rafael, analisando rapidamente o corpo da moça – Aquele cara ali no
chão sentado gritou e todos vieram correndo. – se referiu ao homem que havia
esbarrado nele. Tinha o cabelo um pouco grisalho e seu tom de pele era meio
moreno. Agora ele estava sentado no chão, chorando e soluçando.
O homem de boné
que analisava o corpo do motorista olhou direto para Rafael.
- Ligue para a
polícia. Eles precisam ver o que esta acontecendo aqui. – Rafael sentiu uma
pontada de medo e raiva. Não queria chamar polícia alguma, além de não gostar
que ninguém mande que faça qualquer coisa.
- Não tenho
celular. – ele respondeu de modo seco fechando o rosto e franzindo a testa.
- Bom, então vá
chamar alguém. – o homem continuava dando ordens.
- Quem você pensa
que é para ordenar que eu faça alguma coisa? – Rafael respondeu se aproximando
dele.
- Meu nome é
Marcos e sou bombeiro. Acredito que seja o homem mais preparado aqui para esse
tipo de situação. – engrossou a voz ao responder.
- Seu nome ou sua
profissão não me interessam. O que me interessa é saber o que aconteceu aqui.
- Senhores! – o
homem de terno entrou no meio da conversa sem ser chamado – Eu tenho um celular
aqui. Vou ligar para a polícia. – colocou a mão no bolso esquerdo e puxou seu
celular. Rafael e Marcos se entreolharam e não responderam mais nada – Bosta. –
a atenção foi atraída para o homem de terno – Não tenho sinal nenhum.
- Droga – Marcos
respondeu para si mesmo. Olhou para trás e viu o homem chorando e sentado no
chão – Hey, por que está chorando tanto assim? Tem gente que não serve para
nada mesmo.
- Não deveria
falar assim. – dessa vez quem se pronunciou foi a garota gótica. Todos olhanram
para ela – Se ele foi o primeiro a entrar e ver o corpo do motorista, não
deveríamos perguntar o que ele viu? Afinal ofender pessoas não vai fazer
ninguém ir para frente aqui.
Ela tinha razão.
Até o momento ninguém havia perguntado nada para o homem choroso. Olharam para
ele.
- Quando você
entrou aqui. – Marcos começou a falar – O que você viu?
Ele nada respondia. Só chorava e se contorcia de forma
estranha. Colocando as mãos na têmpora e bagunçando o cabelo grisalho. Um
silêncio se fez por quase um minuto para ouvirem o que o homem tinha a dizer,
mas ele nada falava. Marcos deu de ombros.
- Eu sabia. – começou a falar após todo aquele silêncio –
Esse cara não viu exatamen... – não saberiam o que ele iria dizer nunca, pois
um grito foi ouvido e veio exatamente do homem. Ele se levantou em menos de
dois segundos, como se tivesse tomado uma injeção de adrenalina.
-
Os olhos, olhos,
olhos – ele repetia as palavras de forma
insana. Babava pelos cantos da boca e seus olhos estavam extremamente vermelhos
– Não, não, nãããããão,
os olhos, olhos, não
– num ímpeto de fúria e loucura, correu até o homem de terno, balançando os
braços e gritando de forma gutural. Não houve outra reação senão desviar do
louco e foi o que ele fez. Jogou-se para a esquerda. O homem cabeceou com muita
força o vidro do espelho, que se desfez em milhões de pedaços. Rafael deu
passos para trás ao ver tudo aquilo.
O sangue desceu da cabeça do homem, que ficou com as pernas
bambas. Virou os olhos e caiu no chão, desmaiado.
Novamente o silêncio surgiu. Parecia que todos haviam
cortado as respirações, pois não se ouvia barulho de nada. Rafael, Marcos, a
menina Gótica e o Homem de terno, apenas olhavam para o indivíduo que acabara
de se auto-flagelar. Marcos foi o primeiro a falar. Levantou-se do chão, limpou
as mãos que continham sangue do motorista na própria roupa.
- Algo muito sério aconteceu aqui. – ele resolveu romper o
silêncio. Todos olharam diretamente para seu rosto – Esse sujeito acabou de ter
um momento de loucura por algo que ele viu. Isso o torna muito importante. Vou
levar esse cara para fora. – agachou e colocou o homem sob seu ombro direito.
Parecia que tinha muita força no braço para levantar um homem com tanta
facilidade – Você aí de terno, qual seu nome?
- É...Sou George. – ele ainda não havia entendido nada do
que tinha acontecido.
- Preciso que me acompanhe até o ônibus, George. – ele já
dava passos em direção à saída, quando Rafael interveio entrando em sua frente.
- Isso é uma péssima ideia. – Marcos parou de andar ao ver
que tinha agora alguém barrando sua frente.
- Uma péssima ideia? – continuou a andar, agora para cima de
Rafael – Dentro daquele maldito ônibus está a minha bolsa. Dentro da minha
bolsa há um Kit de primeiros socorros. Não é uma boa ideia? Salvar a vida de um
homem que está sangrando como um boi no dia de seu abate?
- Não é isso. – Rafael tentou contornar o que o homenzarrão
dizia – Se há realmente um assassino nesse local, devemos permanecer juntos. O grupo
não pode se separar, caso isso ocorra pode acontecer outra v... – Não houve
tempo de continuar. Luna entrou no banheiro as pressas. Sua bochecha direita
estava com uma marca vermelha, como se houvesse sido golpeada ali.
- Rafael. – ela começou a falar, esbaforida – Eu não
consegui segurá-la. Ela... Ela...
- Luna, acalme-se, me diga o que houve. – disse Rafael saindo
da frente de Marcos e indo até Luna.
- Ela voltou para o ônibus. O celular dela não pegava sinal
nenhum, então correu para fora dizendo ter outro celular na bolsa de viagem. –
falava de forma rápida e sem pausa – Eu tentei segurá-la, mas ela me acertou
com dois tapas fortes na cara e correu para fora.
Não houve tempo para refletir em sua ação. Rafael só pode
falar.
- Bosta.
Rafael e Marcos saíram disparados pela porta da frente, que
entraram mais cedo. Observaram um estranho nevoeiro se aproximando rapidamente.
Quando chegaram ao ônibus, viram que tinha alguém perto da janela. Marcos foi o
primeiro a subir os degraus, seguido por Rafael.
As luzes do ônibus estavam todas acesas e o cheiro de coisa
nova, ainda permanecia no local. O corredor seguia com suas poltronas em seu
devido lugar. Nada havia mudado, exceto pela mulher que estava apoiada sobre o
encosto de uma poltrona. Olhando de relance, puderam ver uma bolsa de viagem
sob a poltrona onde ela estava com seu torço apoiado. O cabelo loiro permanecia
para frente de sua cabeça, extremamente bagunçado. Ela não se movia, nem suas
mãos que estavam dentro da bolsa de viagem demonstravam o menor sinal de
movimento.
Marcos se aproximava devagar.
- Senhora? – ele rompeu o silêncio – Está tudo bem? – não houve
sinal de resposta.
- Precisamos que nos acompanhe de volta para dentro. –
Rafael completou – Não é seguro aqui. Precisamos retornar imediatamente. – algo
não estava certo, a mulher não respondia, nem demonstrava qualquer reação.
Marcos, que estava passos à frente de Rafael, parou. Não se
moveu por quase dez segundos. Rafael não entendeu o motivo daquilo e andou mais
rapidamente para perto do bombeiro. Começou a ouvir um pequeno barulho ao se
aproximar cada vez mais.
- O que é agor...? – a boca de Marcos estava totalmente
aberta. Lágrimas desciam de seus olhos e seu corpo tremia muito. Quando Rafael
olhou para a mulher, compreendeu o que se passava.
A parte de cima do corpo pendia sob o encosto da poltrona,
sendo que a parte debaixo havia sido arrancada e estava jogada no chão. O
sangue descia como se fosse um rio. Mas o pior estava por vir. Rafael viu
apenas de relance, mas algo estava em cima dos membros inferiores da mulher
estirados no chão. Uma forma grotesca e indescritível devorava suas pernas,
como se comesse um frango assado de domingo. As mãos eram disformes, com vários
dedos, um maior que o outro. A diabrura parou de comer. Marcos gritou e depois
tudo aconteceu muito rápido.