Ingrid recebera a ordem de seu pai para amamentar os cabritos recém-nascidos cuja mãe morrera dando a cria. Ela então improvisara um cantil de couro, afinando o bocal, e dando de mamar aos pequenos animais como se fossem crianças de peito. Era sua tarefa três vezes ao dia.
Os cabritinhos estavam separados dos animais adultos como sempre era feito quando havia crias. O local deles era em um pequeno galpão fechado que dividiam com as galinhas. A palha deveria ser sempre seca para manter os pequenos animais quentes. Havia mais três cabras com crias no pequeno galpão, porém todas haviam rejeitados os órfãos.
Ingrid retirava um dos filhotes e então se sentava em um banco em frente há pequena baia envergando o cantil de couro na boca da pequena criatura que bebia em ávidos goles, enquanto o outro filhote apoiava-se com as duas patas dianteiras na porta da baia e balia de forma triste. Quando o primeiro terminava seu primeiro cantil, Ingrid o colocava de volta, enchia novamente o cantil com o leite que havia em um balde ao seu lado, e então retirava o outro filhote que a estas alturas estava desesperado pensando que não seria alimentado.
Após dar dois cantis para cada um dos cabritinhos, Ingrid tinha de limpar todo o galpão, e isso incluía a limpeza dos poleiros das galinhas e coletar os ovos que havia. Ela não reclamava do trabalho, sabia que sua família era a que mais tinha posses em Hildebrand. Eles jamais haviam passado fome, e na maioria dos invernos ajudavam outras famílias a se manter sem esperar nada em troca. Geralmente seu pai contribuía com mais do que lhe era pedido para completar os impostos da cidade e as comissões.
Enquanto limpava o galpão, Ingrid pegou-se pensando em Roland, o jovem que morava com a mãe, próximo a saída sul da cidade. Ela o vira naquela manha pegando parte da palha que forrava o curral das cabras. Lembrara-se de como todos desprezavam o rapaz, que com o decorrer dos anos veio a tornar-se um grande amigo, amizade incentivada por seu pai.
Ingrid e Roland tinham a mesma idade e se conheciam desde que eram apenas crianças, mas ainda assim ela sabia muito pouco sobre o amigo. O rapaz dificilmente falava sobre seu pai, e às vezes em que era perguntado diretamente, ou dizia que preferia não falar sobre o assunto, ou dava uma resposta evasiva. Ingrid não se incomodava com aquilo, aprendera rápido que qualquer assunto que fosse relacionado ao pai o entristecia, mas não por ele, e sim por sua mãe. De Roland surgia apenas desprezo.
O amigo sempre a respeitara e a defendera. Mesmo quando ainda pequenos, cerca de quatorze anos, e Axel Achim, filho de Godric Achim o capitão da guarda do vilarejo, se aproximara de Ingrid com uma intenção maliciosa. Axel já tinha pouco mais de vinte anos e já descobrira as mulheres. Seu pai se gabava disto com todos os homens do vilarejo, dizendo que o filho era como um garanhão que não podia ser domado.
E certo dia Axel pousou os olhos sobre Ingrid. Jamais a deixou em paz, e se gabava para todos os amigos que tomaria Ingrid e que então, ela imploraria a ele para que jamais a deixasse novamente. A jovem apenas decidiu ignorar tais ofensas, e seu pai, Cuthbert, conferenciou de forma muito séria com Godric sobre as falácias do filho. Os dois homens se acertaram, e Axel jamais voltara a proferir obscenidades sobre Ingrid.
Porem, alguns anos mais tarde, enquanto a moca realizava suas tarefas como naquela manha, Axel e mais dois rapazes que sempre o acompanhavam, surgiram à entrada do galpão. Era o dia de coleta da comissão mensal, e seu pai saíra cedo com o numero de cabras que precisava ser entregue. No momento em que viu Axel, Ingrid sabia que não haveria escapatória, e começou a tremer instantaneamente, enquanto as lagrimas corriam-lhe pela face.
O grande jovem tomou a moça nos braços e a jogou ao chão, deitando-se sobre ele em seguida. Ingrid estava em choque, e não esboçava reação nenhuma. Os olhos fechados com tanta forca, que ela teve medo de cegar-se. E conforme Axel tateava-a com as mãos enormes e ásperas, Ingrid se desesperava cada vez mais. Quando os dois companheiros do filho do guarda esboçaram risos, ele mandou que se calassem, pois alguém podia ouvi-los.
Com a distração de Axel, Ingrid conseguiu morder o rosto do rapaz, que lhe retribuiu esbofeteou o rosto. E como se despertasse de um pesadelo Ingrid começou a gritar de forma histérica. Axel tentou calar a jovem com a mão, libertando um dos braços de Ingrid, que lhe mordeu a mão até sentir o sangue, e puxou a orelha esquerda do jovem com tanta força que pensou que iria arrancar.
Axel ficou de joelhos sobre Ingrid segurando a mão que sangrava, então desembainhou a faca que trazia, porém já era tarde, e Ingrid foi capaz de ouvir o som de algo cortando o ar pouco antes do peito do rapaz ser perfurado por uma haste de osso. Então ele caiu para o lado esquerdo já inerte. A flecha atravessara o coração.
A jovem levantou-se o pouco que o corpo morto de Axel permitia e pode ver Roland com seu arco apontando para os dois companheiros e mandando que se deitassem. Desde aquele dia, seu pai admirara mais ainda a Roland, e o colocara em mais alta conta ainda.
Após o acontecido, Ingrid sempre tinha a sensação de estar sendo observada, e não gostava de trabalhar de costas para a porta do galpão. Naquela manha, a sensação a assaltara novamente, e ao virar-se teve uma surpresa. Um cervo. A jovem se agachou.
- Venha. – ela disse com um sorriso nos lábios e um pouco de capim em uma das mãos.
O jovem cervo, que não havia alcançado o tamanho adulto ainda, abaixou a cabeça farejando, e ensaiou um passo em direção a Ingrid. Porem, algo chamou sua atenção para oeste, e rapidamente o cervo partiu na direção oposta. Ingrid saiu pela porta do galpão para seguir o cervo com os olhos.
Um estrondo de galhos troncos quebrando, a fez virar-se para a floresta. E em meio à confusão de lascas e folhas Ingrid pode ver um grande urso negro correndo.
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