Roland levantou-se pouco antes do sol nascer. A noite fora agradável a pesar de ainda estarem no verão. Uma das vantagens de se viver no extremo norte de Mannelfell é que o verão era quase como o outono, porém com mais sol e menos vento.
Ele vestiu-se com as roupas mais leves, não vestiria couro, nem levaria o manto de caça naquela manhã, pois acabaria passando um desconforto desnecessário. Pegou seu arco longo, e a aljava com sete flechas e saiu de seu quarto para a sala comum. A porta do quarto de sua mãe ainda estava fechada, mas ela não permaneceria dormindo por muito mais tempo. Roland pegou um pedaço do pão que estava em uma tigela de madeira sobre a mesa, colocou em um dos alforjes que trazia consigo e saiu da pequena casa de apenas três cômodos.
Uma brisa fresca soprava naquela manha, e a chuva que caíra por toda a noite ainda permanecia na forma de uma leve garoa matinal. O céu já se transformava de negro para um azul escuro. Roland desceu os cinco degraus que separavam a casa da rua e seguiu pelo espaçoso caminho.
A pesar de ser apenas considerado um vilarejo, Hildebrand era quase tão grande quanto a cidade de Kober, não podia ser intitulado como cidade, pois não possui os muros necessários para proteger seus habitantes, a pesar de Kober já ter provado mais de uma vez que apenas muros não eram o suficiente para proteger seus moradores.
Ambas as localidades levavam os nomes de seus fundadores, porém, todos os membros da família Hildebrand ou haviam abandonado o vilarejo antes mesmo da mãe de Roland nascer, ou já estavam todos mortos, o que com o tempo provou-se algo bom, pois os membros da família fundadora de Kober ainda eram vivos, e ainda causavam muitos problemas na cidade, principalmente no tocante a administração das finanças.
Roland caminhou pelas ruas espaçosas, que necessitavam de tamanho maior que o normal para um vilarejo, para que os rebanhos de cabras e de ovelhas pudessem também transitar pelo vilarejo, e por este mesmo motivo as casas deviam ser construídas mais altas, para que assim se evitasse qualquer tentativa de entrada de um dos animais de criação em qualquer residência.
Hildebrand era um vilarejo muito maior que a maioria, havia quem dissesse que já passavam Kober em números de habitantes, mas que, devido a atividade pouco lucrativa e ainda menos valorizada, não tinham força política para se tornarem cidade e assim, administrarem as próprias finanças e as próprias comissões junto a Northstaat, cidade-estado da província de Mannelziegn.
Roland atravessou as ruas em direção à praça do vilarejo que ficava em seu centro. Tinha formato circular, e todos os dias, os lavradores e criadores de animais enfileiravam suas carroças acompanhando o formato da praça, todos os dias ao fim da tarde para praticarem o comercio. Roland também se colocava em um pequeno canto às vezes junto a uma das entradas da praça, e ali permanecia recebendo os olhares desaprovadores das mulheres, e o desprezo dos homens. Muitas vezes ainda tinha de ouvir um “vagabundo”, ou “por que esse rapaz não encontra uma verdadeira ocupação?”.
Há muitos anos Roland não ajudava na lavoura, nem na criação de animais. Passara a detestar as atividades que realizara durante tanto tempo e com tanto empenho, após conhecer uma face de seu pai que sua mãe ainda não havia lhe contado. O homem que Roland tanto admirou durante toda a sua vida, tornou-se um párea em uma noite a mais ou menos quatro anos atrás. Sua mãe lhe contou que certo dia uma convocação fora feita, e que o seu pai levantara a mão.
Durante muitos anos, o rapaz ouvira a história somente até aquele ponto. Porem, quando sua mãe decidiu que ele tinha idade o bastante, ela contou tudo a Roland. Contou que o pai havia se mudado para a capital Dekapolis, e que lá, conhecera uma cortesã, e que durante o dia ela era sua esposa, porem a noite, era a esposa de qualquer um que pagasse o preço, e assim o homem se mantinha. Roland passou a odiar seu pai após isso. Por mais que pedirá a sua mãe, ela jamais lhe revelou o nome do homem, e nenhum habitante do vilarejo jamais conversava com Roland sobre isso, nem mesmo o ancião do vilarejo, Cuthbert, que aparentemente era o único que não desprezava Roland. Era o pai de Ingrid, a única amiga de Roland.
Roland atravessou a praça em direção a oeste para o curral de Cuthbert. Precisava da urina das cabras para disfarçar o cheiro durante a caçada. O curral de Cuthbert tinha uma parte coberta, e felizmente as cabras estavam amontoadas sob o pequeno abrigo devido à chuva. Era provável que haviam passado a noite toda ali e que a palha sob a qual estavam dormindo estivesse úmida o bastante pela sua urina.
Roland saltou a cerca e os animais logo acordaram amedrontados e começaram a balir. Roland viu Cuthbert a porta de sua casa. O rapaz acenou, e o ancião acenou em resposta e foi em direção ao curral.
- Bom dia Cuthbert. – Roland disse recolhendo um punhado de palha fedendo a urina de carneiro e colocando-o em um dos alforjes. – Estou pegando um pouco de palha para a caçada. Espero que não se importe.
- Vá em frente filho, isso ia virar adubo mesmo, talvez tenha mais utilidade para você e sua mãe. – o ancião disse com um sorriso paternal.
- Obrigado Cuthbert. Se houver algo que eu posso fazer para retribuir, por favor, me diga.
- Eu direi rapaz. Mas agora vá, ou irá perder sua presa. – o velho respondeu soltando uma risada encatarrada.
Roland saltou novamente a cerca do curral e foi em direção o bosque, que naquele lado do vilarejo ficava na decida de uma colina.
Antes de entrar no bosque, Roland pôs-se de joelhos e retirou a palha coletada no curral de ovelhas e umedeceu sua roupa para disfarçar o cheiro. Em seguida prendeu a aljava de flechas junto à perna direita, colocou a corda no arco e se embrenhou na mata.
Ali a noite ainda reinava. Apesar de baixas, as copas das árvores eram volumosas e grudavam-se umas as outras formando uma cobertura natural. Roland seguiu por alguns metros em meio a galhos e troncos até chegar a uma pequena clareira que havia aberto, e a partir dali seguiu por uma trilha também aberta por ele. Fizera desta forma para que nenhuma criança se embrenhasse no bosque para brincar e assim assustasse qualquer animal.
O rapaz seguiu trilha adentro, passando pelas pequenas armadilhas que colocara no dia anterior. Havia alguma coisa em quase todas, e por suas contas, pegara quase uma dúzia de esquilos, e talvez o dobro disso de pequenos pássaros. Já seria o suficiente para ele e sua mãe para mais alguns dias, mas queria um cervo, para que assim pudesse utilizar o couro também.
Roland caminhou pela trilha por alguns momentos, conseguia ver o rastro de cervos, e até mesmo de alguns dos cães do vilarejo. O que não esperava encontrar era o rastro de um urso. Ele sabia que havia famílias de ursos vivendo na floresta mais a oeste próximo ao rio que descia das montanhas, mas nenhum havia se aventurado tão próximo ao vilarejo antes.
O rapaz logo se lembrou do cheiro de urina de ovelhas em suas roupas. Aquilo poderia atrair a fera. Roland decidiu sair da trilha e retonar ao vilarejo, foi quando escutou o estrondo de arvores quebrando. Então correu pela trilha o máximo que pode e viu que a pequena clareira que havia aberto, se tornara um túnel por entre a cerca viva moldada pelas arvores da floresta.
O urso saíra por ali. Roland não hesitou e seguiu pela mesma saída da grande criatura. Os rastros que se via logo após a floresta eram fundos. O animal estava correndo, ou pior, caçando.