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sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Contos de uma Tarde Chuvosa - O Balão de Origami

      Era uma tarde chuvosa comumente do mês de Julho. O dia mais feliz de minha vida? Talvez. Olhava para ele sentado ao meu lado no ponto de ônibus. Seu olhar era misterioso, e estava voltado para um pequeno pedaço de papel que estava em suas mãos sendo dobrado. 
     Me intrigava o fato de seus olhos serem sempre concentrados no que fazia. Entretanto, o que mais me chamava atenção era seu perfume, um cheiro que me levava ao mais alto paraíso nos braços dos deuses. Durante todos os seis meses passados, eu o observei bem. Suas características eram finas e delicadas, sendo alto, magro, com volume nos braços, olhos azuis, cabelo armado castanho, sua barba tinha a mesma cor do cabelo bem aparada com curvas perfeitas em torno do queixo. No tempo que eu o observei, pude notar que fazia faculdade, sempre pegando o mesmo ônibus e no ponto onde eu esperava com uma única diferença, descendo antes de mim. 
     Tinha um anel de compromisso em sua mão direita, ato que me deixou triste na época. Tempos depois, o anel havia sumido assim como o brilho em seus olhos azuis. Então, numa quinta feira qualquer, decidi tomar coragem e me sentar ao lado dele no ônibus. 
       - O-Olá – falei meio desengonçada. 
       - Oi – respondeu de forma rápida com sua voz firme embora suave. 
       - Oi – repeti o que ele disse feito uma idiota nervosa. O suor descia em meu rosto – Desculpe interrompê-lo, mas faz tempo que gostaria de saber seu nome. 
      - Me chamo Gustavo – nem perguntou o meu. 
      - Muito prazer Gustavo, eu me chamo Fernanda, mas pode me chamar pelo meu apelido. 
      - E qual seria? - olhou para mim com curiosidade. 
     - Cabeção – minha intenção era faze-lo ao menos sorrir. Mas ele não apenas sorriu soltando uma gargalhada de forma graciosa. Se levantou dando sinal para descer do ônibus – Foi um prazer conhecê-la “cabeção” e beijou me no rosto. Fiquei vermelha e sem reação, até perder o ponto e acordar do transe tendo que andar uma quadra a mais. Aquele foi um dia simples, mas belo. 
    Agora, o via sentado novamente no mesmo banco em meio uma tarde chuvosa e eu, o observava com curiosidade dobrando aquele papel. Mais uma vez, tomando coragem, me aproximei mesmo sentada e perguntei: 
    - O que está fazendo? - curiosa não? Pois é. 
  - Um balão – me respondeu com um sorriso. Dessa vez me olhara nos olhos – Gosta de origamis? 
   - Gosto – menti – Embora eu não seja boa com isso. 
   - Eu lhe ensino – rapidamente falou – Se você quiser é claro. 
     Apenas assenti com a cabeça. - Se eu não for incomodar. 
   - Imagina, não irá atrapalhar em nada. 
     Veio em minha direção, passou suas mãos em cima das minhas e foi tracejando o determinado objeto. Não disse uma palavra até estar perto do fim. 
   - Sei que você tem me observado – fui pega de surpresa pela resposta e fiquei sem palavras. O que ele iria dizer sobre aquilo? Meu rosto se avermelhara – Pronto – disse por fim terminando o balão. 
     Pensei em dizer alguma coisa mas suas mãos que estavam sobre a minha passavam por sobre meus braços me arrepiando. Tocara minhas orelhas com as costas da mão e logo em seguida na lateral do rosto. Acariciava me olhando com ternura. 
   - Eu também tenho te observado – puxou meu rosto. Seus lábios enfim tocaram os meus em uma dança sublime que duraria muito tempo. Um beijo em meio a pingos de chuva que caíam na cobertura do ponto.  
      Naquele momento pensei comigo mesma. Essa noite será muito mais do que pingos de chuva ou balões de origami. 

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Mannelfell - Ingrid

Ingrid recebera a ordem de seu pai para amamentar os cabritos recém-nascidos cuja mãe morrera dando a cria. Ela então improvisara um cantil de couro, afinando o bocal, e dando de mamar aos pequenos animais como se fossem crianças de peito. Era sua tarefa três vezes ao dia. 
 Os cabritinhos estavam separados dos animais adultos como sempre era feito quando havia crias. O local deles era em um pequeno galpão fechado que dividiam com as galinhas. A palha deveria ser sempre seca para manter os pequenos animais quentes. Havia mais três cabras com crias no pequeno galpão, porém todas haviam rejeitados os órfãos. 
 Ingrid retirava um dos filhotes e então se sentava em um banco em frente há pequena baia envergando o cantil de couro na boca da pequena criatura que bebia em ávidos goles, enquanto o outro filhote apoiava-se com as duas patas dianteiras na porta da baia e balia de forma triste. Quando o primeiro terminava seu primeiro cantil, Ingrid o colocava de volta, enchia novamente o cantil com o leite que havia em um balde ao seu lado, e então retirava o outro filhote que a estas alturas estava desesperado pensando que não seria alimentado. 
 Após dar dois cantis para cada um dos cabritinhos, Ingrid tinha de limpar todo o galpão, e isso incluía a limpeza dos poleiros das galinhas e coletar os ovos que havia. Ela não reclamava do trabalho, sabia que sua família era a que mais tinha posses em Hildebrand. Eles jamais haviam passado fome, e na maioria dos invernos ajudavam outras famílias a se manter sem esperar nada em troca. Geralmente seu pai contribuía com mais do que lhe era pedido para completar os impostos da cidade e as comissões. 
 Enquanto limpava o galpão, Ingrid pegou-se pensando em Roland, o jovem que morava com a mãe, próximo a saída sul da cidade. Ela o vira naquela manha pegando parte da palha que forrava o curral das cabras. Lembrara-se de como todos desprezavam o rapaz, que com o decorrer dos anos veio a tornar-se um grande amigo, amizade incentivada por seu pai. 
 Ingrid e Roland tinham a mesma idade e se conheciam desde que eram apenas crianças, mas ainda assim ela sabia muito pouco sobre o amigo. O rapaz dificilmente falava sobre seu pai, e às vezes em que era perguntado diretamente, ou dizia que preferia não falar sobre o assunto, ou dava uma resposta evasiva. Ingrid não se incomodava com aquilo, aprendera rápido que qualquer assunto que fosse relacionado ao pai o entristecia, mas não por ele, e sim por sua mãe. De Roland surgia apenas desprezo. 
 O amigo sempre a respeitara e a defendera. Mesmo quando ainda pequenos, cerca de quatorze anos, e Axel Achim, filho de Godric Achim o capitão da guarda do vilarejo, se aproximara de Ingrid com uma intenção maliciosa. Axel já tinha pouco mais de vinte anos e já descobrira as mulheres. Seu pai se gabava disto com todos os homens do vilarejo, dizendo que o filho era como um garanhão que não podia ser domado. 
E certo dia Axel pousou os olhos sobre Ingrid. Jamais a deixou em paz, e se gabava para todos os amigos que tomaria Ingrid e que então, ela imploraria a ele para que jamais a deixasse novamente. A jovem apenas decidiu ignorar tais ofensas, e seu pai, Cuthbert, conferenciou de forma muito séria com Godric sobre as falácias do filho. Os dois homens se acertaram, e Axel jamais voltara a proferir obscenidades sobre Ingrid. 
Porem, alguns anos mais tarde, enquanto a moca realizava suas tarefas como naquela manha, Axel e mais dois rapazes que sempre o acompanhavam, surgiram à entrada do galpão. Era o dia de coleta da comissão mensal, e seu pai saíra cedo com o numero de cabras que precisava ser entregue. No momento em que viu Axel, Ingrid sabia que não haveria escapatória, e começou a tremer instantaneamente, enquanto as lagrimas corriam-lhe pela face. 
 O grande jovem tomou a moça nos braços e a jogou ao chão, deitando-se sobre ele em seguida. Ingrid estava em choque, e não esboçava reação nenhuma. Os olhos fechados com tanta forca, que ela teve medo de cegar-se. E conforme Axel tateava-a com as mãos enormes e ásperas, Ingrid se desesperava cada vez mais. Quando os dois companheiros do filho do guarda esboçaram risos, ele mandou que se calassem, pois alguém podia ouvi-los. 
Com a distração de Axel, Ingrid conseguiu morder o rosto do rapaz, que lhe retribuiu esbofeteou o rosto. E como se despertasse de um pesadelo Ingrid começou a gritar de forma histérica. Axel tentou calar a jovem com a mão, libertando um dos braços de Ingrid, que lhe mordeu a mão até sentir o sangue, e puxou a orelha esquerda do jovem com tanta força que pensou que iria arrancar. 
Axel ficou de joelhos sobre Ingrid segurando a mão que sangrava, então desembainhou a faca que trazia, porém já era tarde, e Ingrid foi capaz de ouvir o som de algo cortando o ar pouco antes do peito do rapaz ser perfurado por uma haste de osso. Então ele caiu para o lado esquerdo já inerte. A flecha atravessara o coração. 
A jovem levantou-se o pouco que o corpo morto de Axel permitia e pode ver Roland com seu arco apontando para os dois companheiros e mandando que se deitassem. Desde aquele dia, seu pai admirara mais ainda a Roland, e o colocara em mais alta conta ainda. 
 Após o acontecido, Ingrid sempre tinha a sensação de estar sendo observada, e não gostava de trabalhar de costas para a porta do galpão. Naquela manha, a sensação a assaltara novamente, e ao virar-se teve uma surpresa. Um cervo. A jovem se agachou. 
 - Venha. – ela disse com um sorriso nos lábios e um pouco de capim em uma das mãos. 
 O jovem cervo, que não havia alcançado o tamanho adulto ainda, abaixou a cabeça farejando, e ensaiou um passo em direção a Ingrid. Porem, algo chamou sua atenção para oeste, e rapidamente o cervo partiu na direção oposta. Ingrid saiu pela porta do galpão para seguir o cervo com os olhos. 
 Um estrondo de galhos troncos quebrando, a fez virar-se para a floresta. E em meio à confusão de lascas e folhas Ingrid pode ver um grande urso negro correndo. 

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Mannelfell - Roland

Roland levantou-se pouco antes do sol nascer. A noite fora agradável a pesar de ainda estarem no verão. Uma das vantagens de se viver no extremo norte de Mannelfell é que o verão era quase como o outono, porém com mais sol e menos vento. 
Ele vestiu-se com as roupas mais leves, não vestiria couro, nem levaria o manto de caça naquela manhã, pois acabaria passando um desconforto desnecessário. Pegou seu arco longo, e a aljava com sete flechas e saiu de seu quarto para a sala comum. A porta do quarto de sua mãe ainda estava fechada, mas ela não permaneceria dormindo por muito mais tempo. Roland pegou um pedaço do pão que estava em uma tigela de madeira sobre a mesa, colocou em um dos alforjes que trazia consigo e saiu da pequena casa de apenas três cômodos. 
Uma brisa fresca soprava naquela manha, e a chuva que caíra por toda a noite ainda permanecia na forma de uma leve garoa matinal. O céu já se transformava de negro para um azul escuro. Roland desceu os cinco degraus que separavam a casa da rua e seguiu pelo espaçoso caminho. 
A pesar de ser apenas considerado um vilarejo, Hildebrand era quase tão grande quanto a cidade de Kober, não podia ser intitulado como cidade, pois não possui os muros necessários para proteger seus habitantes, a pesar de Kober já ter provado mais de uma vez que apenas muros não eram o suficiente para proteger seus moradores. 
Ambas as localidades levavam os nomes de seus fundadores, porém, todos os membros da família Hildebrand ou haviam abandonado o vilarejo antes mesmo da mãe de Roland nascer, ou já estavam todos mortos, o que com o tempo provou-se algo bom, pois os membros da família fundadora de Kober ainda eram vivos, e ainda causavam muitos problemas na cidade, principalmente no tocante a administração das finanças. 
Roland caminhou pelas ruas espaçosas, que necessitavam de tamanho maior que o normal para um vilarejo, para que os rebanhos de cabras e de ovelhas pudessem também transitar pelo vilarejo, e por este mesmo motivo as casas deviam ser construídas mais altas, para que assim se evitasse qualquer tentativa de entrada de um dos animais de criação em qualquer residência. 
Hildebrand era um vilarejo muito maior que a maioria, havia quem dissesse que já passavam Kober em números de habitantes, mas que, devido a atividade pouco lucrativa e ainda menos valorizada, não tinham força política para se tornarem cidade e assim, administrarem as próprias finanças e as próprias comissões junto a Northstaat, cidade-estado da província de Mannelziegn. 
Roland atravessou as ruas em direção à praça do vilarejo que ficava em seu centro. Tinha formato circular, e todos os dias, os lavradores e criadores de animais enfileiravam suas carroças acompanhando o formato da praça, todos os dias ao fim da tarde para praticarem o comercio. Roland também se colocava em um pequeno canto às vezes junto a uma das entradas da praça, e ali permanecia recebendo os olhares desaprovadores das mulheres, e o desprezo dos homens. Muitas vezes ainda tinha de ouvir um “vagabundo”, ou “por que esse rapaz não encontra uma verdadeira ocupação?”. 
Há muitos anos Roland não ajudava na lavoura, nem na criação de animais. Passara a detestar as atividades que realizara durante tanto tempo e com tanto empenho, após conhecer uma face de seu pai que sua mãe ainda não havia lhe contado. O homem que Roland tanto admirou durante toda a sua vida, tornou-se um párea em uma noite a mais ou menos quatro anos atrás. Sua mãe lhe contou que certo dia uma convocação fora feita, e que o seu pai levantara a mão. 
Durante muitos anos, o rapaz ouvira a história somente até aquele ponto. Porem, quando sua mãe decidiu que ele tinha idade o bastante, ela contou tudo a Roland. Contou que o pai havia se mudado para a capital Dekapolis, e que lá, conhecera uma cortesã, e que durante o dia ela era sua esposa, porem a noite, era a esposa de qualquer um que pagasse o preço, e assim o homem se mantinha. Roland passou a odiar seu pai após isso. Por mais que pedirá a sua mãe, ela jamais lhe revelou o nome do homem, e nenhum habitante do vilarejo jamais conversava com Roland sobre isso, nem mesmo o ancião do vilarejo, Cuthbert, que aparentemente era o único que não desprezava Roland. Era o pai de Ingrid, a única amiga de Roland. 
Roland atravessou a praça em direção a oeste para o curral de Cuthbert. Precisava da urina das cabras para disfarçar o cheiro durante a caçada. O curral de Cuthbert tinha uma parte coberta, e felizmente as cabras estavam amontoadas sob o pequeno abrigo devido à chuva. Era provável que haviam passado a noite toda ali e que a palha sob a qual estavam dormindo estivesse úmida o bastante pela sua urina. 
Roland saltou a cerca e os animais logo acordaram amedrontados e começaram a balir. Roland viu Cuthbert a porta de sua casa. O rapaz acenou, e o ancião acenou em resposta e foi em direção ao curral. 
- Bom dia filho. 
- Bom dia Cuthbert. – Roland disse recolhendo um punhado de palha fedendo a urina de carneiro e colocando-o em um dos alforjes. – Estou pegando um pouco de palha para a caçada. Espero que não se importe. 
- Vá em frente filho, isso ia virar adubo mesmo, talvez tenha mais utilidade para você e sua mãe. – o ancião disse com um sorriso paternal. 
- Obrigado Cuthbert. Se houver algo que eu posso fazer para retribuir, por favor, me diga. 
- Eu direi rapaz. Mas agora vá, ou irá perder sua presa. – o velho respondeu soltando uma risada encatarrada. 
Roland saltou novamente a cerca do curral e foi em direção o bosque, que naquele lado do vilarejo ficava na decida de uma colina. 
Antes de entrar no bosque, Roland pôs-se de joelhos e retirou a palha coletada no curral de ovelhas e umedeceu sua roupa para disfarçar o cheiro. Em seguida prendeu a aljava de flechas junto à perna direita, colocou a corda no arco e se embrenhou na mata. 
Ali a noite ainda reinava. Apesar de baixas, as copas das árvores eram volumosas e grudavam-se umas as outras formando uma cobertura natural. Roland seguiu por alguns metros em meio a galhos e troncos até chegar a uma pequena clareira que havia aberto, e a partir dali seguiu por uma trilha também aberta por ele. Fizera desta forma para que nenhuma criança se embrenhasse no bosque para brincar e assim assustasse qualquer animal. 
O rapaz seguiu trilha adentro, passando pelas pequenas armadilhas que colocara no dia anterior. Havia alguma coisa em quase todas, e por suas contas, pegara quase uma dúzia de esquilos, e talvez o dobro disso de pequenos pássaros. Já seria o suficiente para ele e sua mãe para mais alguns dias, mas queria um cervo, para que assim pudesse utilizar o couro também. 
Roland caminhou pela trilha por alguns momentos, conseguia ver o rastro de cervos, e até mesmo de alguns dos cães do vilarejo. O que não esperava encontrar era o rastro de um urso. Ele sabia que havia famílias de ursos vivendo na floresta mais a oeste próximo ao rio que descia das montanhas, mas nenhum havia se aventurado tão próximo ao vilarejo antes. 
O rapaz logo se lembrou do cheiro de urina de ovelhas em suas roupas. Aquilo poderia atrair a fera. Roland decidiu sair da trilha e retonar ao vilarejo, foi quando escutou o estrondo de arvores quebrando. Então correu pela trilha o máximo que pode e viu que a pequena clareira que havia aberto, se tornara um túnel por entre a cerca viva moldada pelas arvores da floresta. 
 O urso saíra por ali. Roland não hesitou e seguiu pela mesma saída da grande criatura. Os rastros que se via logo após a floresta eram fundos. O animal estava correndo, ou pior, caçando.