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quinta-feira, 23 de julho de 2015

Pela doce vingança


O suor descia sobre o cano da arma, o dedo no gatilho escorregava enquanto a mãos estavam tremendo como nunca antes tremeu. O silêncio reinava naquele quarto, era perturbador. A escuridão da noite afogava minha alma em profundas reflexões sobre fazer ou não aquilo.  
Abri uma fresta da porta, observei dentro daquele quarto e lá estava minha vítima. Na verdade, eu era a vítima. Dormia despreocupado, seu nome era Alexander Schmidt, hoje um vereador de respeito, mas antes, um assassino e estuprador sem escrúpulos. 
Há 20 anos atrás ele entrou em minha casa... 
Matou meu marido... 
Matou minhas filhas... 
Me fez assistir tudo isso e depois me violentou como se fosse uma porca. A polícia chegou devido uma denúncia de algum vizinho. Quando chegaram no local, o maldito já havia feito todo o serviço, mas isso não foi tudo. Ainda colocou o revolver em minha mão e toda minha digital ficou na arma. Fui presa acusada de assassinato, nem ao menos se deram ao trabalho de fazer exames em mim, teriam descoberto o estupro, mas nada. Não existe justiça nesse mundo podre. 
Fui condenada em 20 anos... 
Na prisão me espancaram... 
Fui abusada por outras mulheres... 
Aprendi a viver... 
Aprendi a lutar... 
Aprendi a matar... 
Esperei por 20 anos... 
E nesse momento estava em sua casa, adentrei em seu quarto chutando a porta e apontando a arma em sua cara. Levantou da cama com medo e gritando como um covarde.  Duas mulheres que estavam deitadas me olhavam com terror.  
- Saiam - disse com calma, e elas correndo porta a fora. 
Estava escuro, ele não conseguia me ver direito, apenas o brilho de minha arma prateada, o mesmo modelo que usara para matar minha família.  
- O que você quer? - estava nervoso - Eu posso te pag...  

Primeiro disparo... Por Arthur, meu marido... 
Segundo disparo... Por Melanie, minha filha de 3 anos... 
Terceiro disparo... Por Elizabeth, minha filha de 3 meses... 
Quarto disparo... Por mim... 
Caiu inerte no chão, morto e enterrado nas trevas daquela noite. Os vizinhos deviam ter escutado o barulho dos tiros. Depois de 20 anos, eu estava feliz e sorria como se um enorme peso saísse de minhas costas. 
Quinto disparo... Pela doce vingança.  
Caí no chão... 
Tudo ficou preto... 
Pela doce vingança... 

O Corvo


Poema de Edgar Allan Poe 
Tradução de Machado de Assis - 1883 
 Em certo dia, à hora, à hora 
Da meia-noite que apavora, 
Eu caindo de sono e exausto de fadiga, 
Ao pé de muita lauda antiga, 
De uma velha doutrina, agora morta, 
Ia pensando, quando ouvi à porta 
Do meu quarto um soar devagarinho 
E disse estas palavras tais: 
"É alguém que me bate à porta de mansinho; 
Há de ser isso e nada mais."  
  
Ah! bem me lembro! bem me lembro! 
Era no glacial dezembro; 
Cada brasa do lar sobre o chão refletia 
A sua última agonia. 
Eu, ansioso pelo sol, buscava 
Sacar daqueles livros que estudava 
Repouso (em vão!) à dor esmagadora 
Destas saudades imortais 
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora, 
E que ninguém chamará jamais. 
  
E o rumor triste, vago, brando, 
Das cortinas ia acordando 
Dentro em meu coração um rumor não sabido 
Nunca por ele padecido. 
Enfim, por aplacá-lo aqui no peito, 
Levantei-me de pronto e: "Com efeito 
(Disse) é visita amiga e retardada 
Que bate a estas horas tais. 
É visita que pede à minha porta entrada: 
Há de ser isso e nada mais." 
  
Minha alma então sentiu-se forte; 
Não mais vacilo e desta sorte 
Falo: "Imploro de vós - ou senhor ou senhora - 
Me desculpeis tanta demora. 
Mas como eu, precisando de descanso, 
Já cochilava, e tão de manso e manso 
Batestes, não fui logo prestemente, 
Certificar-me que aí estais." 
Disse: a porta escancaro, acho a noite somente, 
Somente a noite, e nada mais. 
  
Com longo olhar escruto a sombra, 
Que me amedronta, que me assombra, 
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado, 
Mas o silêncio amplo e calado, 
Calado fica; a quietação quieta: 
Só tu, palavra única e dileta, 
Lenora, tu como um suspiro escasso, 
Da minha triste boca sais; 
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço; 
Foi isso apenas, nada mais. 
  
Entro co'a alma incendiada. 
Logo depois outra pancada 
Soa um pouco mais tarde; eu, voltando-me a ela: 
"Seguramente, há na janela 
Alguma coisa que sussurra. Abramos. 
Ela, fora o temor, eia, vejamos 
A explicação do caso misterioso 
Dessas duas pancadas tais. 
Devolvamos a paz ao coração medroso. 
Obra do vento e nada mais." 
  
Abro a janela e, de repente, 
Vejo tumultuosamente 
Um nobre Corvo entrar, digno de antigos dias. 
Não despendeu em cortesias 
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto 
De um lord ou de uma lady. E pronto e reto 
Movendo no ar as suas negras alas. 
Acima voa dos portais, 
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas; 
Trepado fica, e nada mais. 
  
Diante da ave feia e escura, 
Naquela rígida postura, 
Com o gesto severo - o triste pensamento 
Sorriu-me ali por um momento, 
E eu disse: "Ó tu que das noturnas plagas 
Vens, embora a cabeça nua tragas, 
Sem topete, não és ave medrosa, 
Dize os teus nomes senhoriais: 
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?" 
E o Corvo disse: "Nunca mais." 
  
Vendo que o pássaro entendia 
A pergunta que lhe eu fazia, 
Fico atônito, embora a resposta que dera 
Dificilmente lha entendera. 
Na verdade, jamais homem há visto 
Coisa na terra semelhante a isto: 
Uma ave negra, friamente posta, 
Num busto, acima dos portais, 
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta 
Que este é o seu nome: "Nunca mais." 
  
No entanto, o Corvo solitário 
Não teve outro vocabulário, 
Como se essa palavra escassa que ali disse 
Toda sua alma resumisse. 
Nenhuma outra proferiu, nenhuma, 
Não chegou a mexer uma só pluma, 
Até que eu murmurei: "Perdi outrora 
Tantos amigos tão leais! 
Perderei também este em regressando a aurora." 
E o Corvo disse: "Nunca mais." 
  
Estremeço. A resposta ouvida 
É tão exata! é tão cabida! 
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência 
Que ele trouxe da convivência 
De algum mestre infeliz e acabrunhado 
Que o implacável destino há castigado 
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga, 
Que dos seus cantos usuais 
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga, 
Esse estribilho: "Nunca mais." 
  
Segunda vez, nesse momento, 
Sorriu-me o triste pensamento; 
Vou sentar-me defronte ao Corvo magro e rudo; 
E mergulhando no veludo 
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera 
Achar procuro a lúgubre quimera. 
A alma, o sentido, o pávido segredo 
Daquelas sílabas fatais, 
Entender o que quis dizer a ave do medo 
Grasnando a frase: "Nunca mais." 
  
Assim, posto, devaneando, 
Meditando, conjecturando, 
Não lhe falava mais; mas se lhe não falava, 
Sentia o olhar que me abrasava, 
Conjecturando fui, tranqüilo, a gosto, 
Com a cabeça no macio encosto, 
Onde os raios da lâmpada caiam, 
Onde as tranças angelicais 
De outra cabeça outrora ali se desparziam, 
E agora não se esparzem mais. 
  
Supus então que o ar, mais denso, 
Todo se enchia de um incenso. 
Obra de serafins que, pelo chão roçando 
Do quarto, estavam meneando 
Um ligeiro turíbulo invisível; 
E eu exclamei então: "Um Deus sensível 
Manda repouso à dor que te devora 
Destas saudades imortais. 
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora." 
E o Corvo disse: "Nunca mais." 
  
"Profeta, ou o que quer que sejas! 
Ave ou demônio que negrejas! 
Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno 
Onde reside o mal eterno, 
Ou simplesmente náufrago escapado 
Venhas do temporal que te há lançado 
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo 
Tem os seus lares triunfais, 
Dize-me: "Existe acaso um bálsamo no mundo?" 
E o Corvo disse: "Nunca mais." 
  
"Profeta, ou o que quer que sejas! 
Ave ou demônio que negrejas! 
Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende! 
Por esse céu que além se estende, 
Pelo Deus que ambos adoramos, fala, 
Dize a esta alma se é dado inda escutá-la 
No Éden celeste a virgem que ela chora 
Nestes retiros sepulcrais. 
Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!" 
E o Corvo disse: "Nunca mais." 
  
"Ave ou demônio que negrejas! 
Profeta, ou o que quer que sejas! 
Cessa, ai, cessa!, clamei, levantando-me, cessa! 
Regressa ao temporal, regressa 
À tua noite, deixa-me comigo. 
Vai-te, não fica no meu casto abrigo 
Pluma que lembre essa mentira tua, 
Tira-me ao peito essas fatais 
Garras que abrindo vão a minha dor já crua." 
E o Corvo disse: "Nunca mais." 
  
E o Corvo aí fica; ei-lo trepado 
No branco mármore lavrado 
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho. 
Parece, ao ver-lhe o duro cenho, 
Um demônio sonhando. A luz caída 
Do lampião sobre a ave aborrecida 
No chão espraia a triste sombra; e fora 
Daquelas linhas funerais 
Que flutuam no chão, a minha alma que chora 
Não sai mais, nunca, nunca mais!