Um pequeno conto de Celso Machado
Não existe época mais animada
no ano do que o Halloween. Uns dizer ser o Natal, mas não concordo. No dia 31
de outubro as crianças vão para as ruas fantasiadas de monstros apenas para
pedirem doces nas portas de sua vizinhança. Pode se observar Lobisomens,
Bruxas, Vampiros, Frankenstein, Zumbis e toda sorte de criaturas monstruosas
que outrora tínhamos medo. Me coloco nesse meio pois já fui uma dessas crianças
que todo ano se fantasiava para arrumar doces, e não estava sozinho nessa
brincadeira, pois meus irmãos, Mika e Pedro, sempre estavam comigo nessas
aventuras mirins. Quanta felicidade havia nesses dias. Esperávamos o Halloween
o ano inteiro e ainda assim, não era o suficiente para tantas travessuras que
aprontávamos.
Ora, que falta da educação da minha
parte, nem me apresentei. Me chamo George, tenho 28 anos e sou escritor de
histórias infantis, além de trabalhar no Jornal de minha cidade escrevendo
pequenos contos de terror. Que estranho, não é mesmo? Como um escritor de
histórias infantis, com mais de 10 livros já publicados, escreve também contos
de terror para um Jornal? É, esse sou eu. Acostume-se.
Hoje é dia 30 de outubro de 1999.
Talvez amanhã seja o Halloween mais gelado que já presenciei em toda minha
vida. Lá fora está nevando, posso observar da janela do meu escritório, sentado
em minha poltrona favorita, com meu pijama favorito e na frente da minha
máquina de escrever favorita, estou pensando no que devo escrever para ser
publicado amanhã no Jornal.
A origem do Halloween? Não, muito
clichê. Um conto de Terror? Não, faço isso sempre. Que tal um relato da minha
vida? Narrando algo que aconteceu comigo quando eu era crianç...
- Querido, estou saindo – minha esposa
entra em meu escritório – Vou com o Billy comprar umas coisas que faltam para
amanhã. Você não vem conosco? – pergunta
franzindo a testa e coçando seu pequeno nariz. Acredito que ela já saiba a
resposta, mas gosta de fazer um charme.
- Não meu amor, me desculpe, mas
preciso terminar de escrever isso aqui antes das 14:00hrs ou o Sr. Matt vai me
matar. Você sabe como ele é com relação as minhas publicações, não é? – dei um
sorriso para ela de forma carinhosa, acredito que ela pode sobreviver sem mim
por algumas horas. Nossa, isso soou tão machista. Me perdoem por lerem isso,
senhoritas.
- Tudo bem – ela sorriu de volta,
estou salvo – Mas faça seu almoço, ok?
- Farei sim, amor. Pode contar com
minhas habilidades culinárias – sou bom em brincadeiras irônicas.
- Com certeza, poderia participar
desses programas televisivos chatos de culinária. É a sua cara. – mas ela é
melhor.
- Obrigado, obrigado – levanto da
poltrona, dou pequenos passos até ela na porta. Olho para direita e vejo um
brinquedo de Billy no chão e percebo que o pequeno invasor entrou em meu
escritório de noite. Mas sempre deixa algo na cena do crime. Me aproximo de Nathalie
e, nossa também havia esquecido de mencionar o nome dela, que péssimo marido e
escritor eu sou. Sinto seu perfume adocicado que sempre faz minha mente voar.
Beijo sua testa e desço meu rosto até encontrar seus olhos azuis. Deus, como
ela é perfeita. Aproximo minha boca até a dela para então...
- Opa – ela afasta sua cabeça me
fazendo beijar o vácuo. Ele não tem um gosto muito bom, nem cheiro adocicado –
Está na minha hora – vira as costas e sai andando pelo corredor – Volte para
sua máquina de escrever, quem sabe ela seja uma companhia melhor que eu – olha
para trás e manda um beijo sarcástico. Essa é minha esposa, Nathalie. Bem,
talvez não seja tão perfeita assim. E só para constar, ainda estou fazendo um
pequeno bico esperando algum beijo que não virá tão cedo.
Hora de voltar ao trabalho. Caminho
até minha mesa, sento na poltrona e puxo a máquina para mais próximo de mim.
Vejamos onde eu parei. Ah! Um relato sobre minha infância. Então vamos voltar
para quando eu tinha apenas 10 anos e morava em Witch City. Isso mesmo, a
cidade das bruxas, nossas festas de Halloween eram sempre bem animadas.
Crianças e adultos fantasiados nas ruas, buscando assustar outras pessoas
desavisadas. O que não acontecia muito para falar a verdade.
Sempre enxergamos o “sobrenatural”
como uma fantasia muito longe da realidade. Por ser algo bem tradicional em
Witch City, nossas mães e pais sempre contavam muitas histórias de terror para
nós. Eu e meus dois irmãos adorávamos uma boa história de terror. Nos fascinava
ouvir da boca de papai e mamãe a história do vampiro Drácula. A terrível
história do monstro do pântano. Nossas emoções eram inomináveis.
Entretanto, nunca ouve nada mais
memorável do que no Halloween de 1981. Eu, Mika e Pedro, estávamos andando nas
ruas enfeitadas de Witch City procurando por gostosuras e fazendo travessuras.
Não. Vou corrigir. Drácula, Vampira e Frankenstein, pois era assim que nós
estávamos vestidos, andávamos procurando por gostosuras e fazendo travessuras.
Era muito engraçado como 3 crianças, de 10, 9 e 4 anos não tínhamos medo de
nada.
Em Witch City, havia uma mansão na
colina da velha estrada, que outrora fora moradia para uma princesa de outro
país que gostava de passar o Halloween na cidade. Um dia, essa princesa não
retornou mais e todos os serviçais que lá estavam, foram mandados embora ou
algo assim. Por muitos anos aquela casa ficou abandonada. O que antes era um
grande jardim, cheio de flores e gramas bem aparadas, se tornou uma enorme
piscina de mato de talvez dois metros de profundidade. Para uma criança
pequena, é claro. Todos os moradores da cidade, por mais corajosos que fossem,
nunca colocaram os pés naquele local, e nós três não sabíamos o motivo de
tamanho receio.
Mas naquele dia, descobrimos.
Eu e meus irmão subíamos a colina
para descobrirmos o que havia naquela mansão que todos tinham “medo”. Nós, os
três corajosos” íamos em fila indiana e não me pergunte o porquê, eu não ia me
lembrar. Mentira. Estávamos com medo daquela mansão. O fato de ninguém nunca
ter ido lá nos intrigava. Como a “cidade das bruxas” tinha medo de uma mansão
abandonada. Conforme íamos subindo, a estrada foi se demonstrando mais velha e
a floresta que ao redor estava, mais densa e esquisita. O medo faz isso com
crianças que se achavam corajosas. Pedro, Frankenstein, de apenas 4 anos era o mais
corajoso, além de ser o primeiro da fila. Logo atrás estava eu, Drácula, o
grande vampiro. Se o verdadeiro me visse teria vergonha de mim. Por último
estava Mika, vampira, que tremia de medo e segurava meu ombro entre suas
pequenas falanges. A colina estava chegando ao fim e podemos observar o enorme
portão que a frente. Era gigante, estava enferrujado e ao redor de toda mansão
estava um muro de pedra um pouco menor que o portão. Mas isso não significava
que era pequeno. Chegamos perto e vimos que não estava fechado, as correntes
estavam quebradas, jogadas no chão como se tivessem sido quebradas.
- A-Acho melhor nós voltarmos –
disse Mika gaguejando. Ela não era mais a vampira.
- Tem razão – e eu nunca tinha sido
o Drácula – Vamos embora!
- Moça bonita! – gritou Pedro, que
era o verdadeiro Frankenstein, pois ao dizer isso, abriu o portão e saiu
correndo para dentro da mata, que era o jardim.
- Não! – congelamos antes de entrar,
mas não teve outra escolha, afinal não podíamos deixar Pedro ali.
Adentramos no portão e corremos
atrás dele pela mata. Não conseguíamos ver nada a nossa frente, e eu não sabia
como Pedro havia conseguido enxergar uma... MOÇA BONITA?!
- PEDRO! – Mika gritava
desesperadamente logo atrás de mim, aquela vegetação não nos deixava enxergar
muito. Foi então que tropecei, levando Mika que estava agarrado em mim junto
comigo. Dando passos largos e sem equilíbrio algum, caí milagrosamente do lado
de fora da mata particular, que a mansão agora tinha. A visão que tive, foi de
fazer qualquer gelar de medo.
Lá estava Pedro, ao lado de uma
mulher com um longo vestido branco e muito bem bordado. Parecia ter entre 15 e
18 anos. Seus cabelos eram ruivos como um suco de morango bem escuro. A íris de
seus olhos era negra como a noite, e sua pele branca como a neve. Entretanto,
por mais que parecesse uma assombração, em meio a uma casa abandonada, ela
sorria de forma simpática, como nunca havia visto antes. A mansão não estava
destruída, velha ou algo assim, parecia nova e bem habitada. Suas luzes estavam
acessas e pequenas abóboras sorridentes ocupavam várias partes de sua grande
varanda. Atrás dela um homem mais velho, com bigodes grossos e olhos pequenos.
Seus cabelos eram brancos e sua roupa altamente social.
- Ora, ora, o que temos por aqui? –
a moça bonita começou a falar – Três lindas crianças. Estão perdidas?
- N-Não mo-oça, n-n-nós, j-já – Mika
não conseguia falar. Assim como eu estava muito surpresa. Tomei coragem
- Me perdoe moça – as palavras
soaram. O medo estava passando – Achávamos que esta casa estava abandonada,
então meu irmão correu e não podíamos voltar sem ele – não era mentira.
- Essa é sua irmã? – desceu os
degraus em passos curiosos. Seu vestido era muito longo, então não conseguia
ver seus pés – Por que ela está com medo de mim? Fiz algo de errado?
- Não, senhorita. Como eu disse, nós
achávamos que a casa estava abandonada. Pensamos que a senhorita era...
- Uma assombração – a menina riu
graciosamente e por um instante, também sorri – Agora que estão aqui, são meus
convidados para ouvir boas histórias. Halloween é sempre muito lindo aqui em
Witch City, por isso sempre estou aqui. Então vamos para dentro, está fazendo
frio aqui.
A menina de cabelos ruivos veio até
Mika e eu e nos pegou pelos braços, não a força, mas de uma maneira carinhosa.
Senti seu perfume que pairava sobre o ar e senti algo quente em meu peito. Meu
coração batia mais forte.
Adentramos na casa, como toda casa
normal, lá estava tudo no lugar. Realmente não estava abandonada. Dois sofás
compridos, uma televisão antiga, almofadas no chão e algo que me chamou muita
atenção. Em todos os lugares daquela sala, haviam lanternas feitas abóboras
sorridentes. Não oito, ou nove, mas várias, não conseguia contar. Ela nos
trouxe até o meio da sala fazendo com que sentássemos tranquilamente no tapete
que estava no chão.
- Edgar – disse a jovem falando com
o homem velho bem vestido – Poderia pegar doces para essas crianças? Quando
elas forem embora faço questão que levem vários – o homem fez uma reverência e saiu
pelo corredor lateral.
-Então crianças – a moça sorriu com
afeto – Qual o nome de vocês?
- George
- M-Mika
- PETRO! – Pedro ainda não conseguia
falar seu nome.
- É um grande prazer conhece-los, eu
me chamo Jack – ainda sorria. Nunca havia visto uma mulher tão linda.
- Moça, nós precisamos ir embora –
Mika disse – Precisamos passar em outras casas e pedir mais doces.
- Oh claro – algo em Jack havia
mudado, como se fosse pega de surpresa – Achei que poderíamos compartilhar
histórias de terror, mas seus pais podem ficar preocupados de demorarem muito
não é. Então me contem só uma história e deixo vocês irem com os doces. O que
acham? – ela parecia extremamente interessada.
-
Não sabemos nenhuma história de forma que consigamos contar, senhorita – não
era mentira, afinal ainda éramos crianças.
- Então posso contar uma para vocês?
– a empolgação dela era notável, olhei para Mika e assentimos com a cabeça. –
Perfeito. Vocês sabem o porquê do grande símbolo do Halloween ser a lanterna de
abóbora sorridente? – não sabíamos – Ela foi criada para ajudar alguém.
- Moça bonita, ajudar quem? –
interrompeu Pedro.
- Alguém que precisava muito, Pedro.
Alguém que infelizmente já faleceu.
Permanecíamos em silêncio.
- Certa vez, foi prometido para uma
pessoa que ela teria uma felicidade muito grande se fosse morar em um lugar
muito especial. Mas essa pessoa era muito fraca e acabou morrendo na viagem.
Então sua alma tentou ir para o céu, mas não achou o caminho, nem a entrada.
Essa pobre alma ficou muito triste, pois em seu interior sabia que então iria
para inferno, já que não achara o caminho para o céu. Então, essa pobre alma
resolveu procurar a entrada para o inferno, sabe o que aconteceu? – nós já
estávamos entretidos na história – Mesmo procurando muito o caminho ou a
entrada para o inferno, ela nunca conseguiu encontrar. A alma ficou muito
triste. Chorou por muitos anos. Um dia, um senhor já de idade avançada
encontrou essa alma sem querer. Ele conseguiu enxergar mesmo ela já estando
morta há muitos anos. A alma lhe contou toda história e motivo de sua tristeza.
Movido de grande compaixão o homem jurou ajudar a alma a encontrar seu caminho,
fosse o céu, fosse o inferno. Ele criou uma lanterna em forma de uma abóbora
sorridente, para que a alma soubesse que pelo menos alguém estaria sempre
sorrindo com ela. O tempo passou, e o homem faleceu. Entretanto mesmo após sua
morte, a alma do homem continuou a ajudar a alma solitária. Nos dias de
Halloween, essas abóboras ajudam essas duas almas a encontrar seus caminhos.
Por isso, o Halloween existe.
- Mas então para que serve tantas
fantasias de monstros? – perguntou Mika, agora sem medo.
- Decidiram inventar essa história
de fantasias para encobrir o real motivo – ela agora parecia triste – As
pessoas sempre tendem a inventar coisas para encobrir o amor por trás de traços
tão lindos – o homem idoso adentrou na sala com três pequenos baldes cheios de
doces.
- Bom, é hora de vocês irem, seus
pais podem se preocupar com vocês - Ela nos levou até o portão de entrada junto
com Pedro em seu colo, que já coçava os olhinhos demonstrando sono.
- Moça – Mika correu em sua direção
e deu um abraço bem forte em sua cintura – Me desculpe, eu tive muito, muito
medo da senhorita.
- Não deve ter medo mocinha, assim
como a alma teve alguém que a ajudasse, você tem seus irmãos que sempre estarão
com você – deu um beijo carinhoso em sua testa e sorriu. Seus dentes eram
brancos, unidos e perfeitos. Não havia notado isso antes.
- Obrigado pelos doces moça, vamos
comer todos pensando em você – eu disse já virando as costas e segurando as
mãos de Pedro.
- Nunca esqueçam de mim – foi a
última coisa que ouvi.
Naquela mesma noite, chegamos em
casa com muito sono e muitos doces. Demos boa noite a papai e mamãe que estavam
na sala e fomos dormir. No dia seguinte, lembro que mamãe nos perguntou onde
havíamos conseguido tantos doces, e dissemos que foi na casa da colina. Mamãe
ficou muito brava conosco por termos ido sozinhos até lá.
- Como podem ter conseguido tantos
doces se ninguém mora naquela casa há muitos anos? – estava achando que nós
estávamos mentindo. Pedro sugeriu que voltássemos para falar com a “moça
bonita” para mostrar a mamãe que não estávamos mentindo.
Quando chegamos lá entramos pelos
portões, a casa estava realmente abandonada, como se ninguém colocasse os pés
ali há anos. Abrimos a porta e não havia nada dentro da casa, a não teias de
aranhas e coisas quebradas. Aquilo nos deixou sem reação, mas entendemos toda
aquela história.
Nunca se esqueçam de mim...
É, ela tinha razão, depois de tanto
tempo ainda me lembro de cada detalhe. Nunca me esqueci daquele lindo sorriso
amoroso. Por que estou escrevendo tudo isso para o Jornal? Talvez seja para nos
fazer refletir. As pessoas costumam julgar coisas sem terem conhecimento do que
verdadeiramente aquilo significa. Seja Jack, Edgar ou o próprio Halloween,
devemos buscar saber o que cada coisa é de fato, sem julgar e nem condenar.
Mais amor, menos julgamento.
Enfim, acho que tenho apenas isso
para escrever. Olho pela janela e vejo que parou de nevar. Se passaram quantos
minutos? 10? Sabe de uma coisa? Vou pegar o carro e ir atrás de Nathalie. Deixo
esse texto para terminar depois, meu chefe pode me matar, mas agora vamos
aproveitar e comprar os preparativos para o Halloween. Colocarei bastantes
Lanternas aqui na varanda. Jack com certeza vai precisar de um.