Meus
dias são assim...
-
Boooooooom diiiiaaaaaa, Albertinhoooo. – o “diiiiaaaa” soa como um falsete pessimamente
executado, além de lembrar-me como meu nome no diminutivo soa ridículo. Não
adianta mais lançar meus olhares ferozes em direção sua direção. É forte e
consegue me levantar. Olha dentro da minha alma corrompida pelo álcool da noite
passada, beija minha bochecha e envolve-me com seus braços longos, grossos e
flácidos. Sinto o cheiro de seu perfume fedido como mijo de rato adocicado com
coca-cola zero. O abraço dura mais de dez segundos. Quando me larga, caio de
volta na poltrona de couro. Violado. Quero regurgitar toda a nojeira desse
borra botas.
Ele
é George, o chefe amoroso. Já lhes disse como odeio esse sujeito? Faz com que
minhas entranhas se contraiam, os órgãos mudem de lugar e a cabeça exploda em milhares
de planos nefastos para destruir célula existente nesse maldito asqueroso. Trabalho aqui há mais de quatro anos. Agora
faça as contas. Veja quanta merda tive de aguentar. Sou péssimo em
matemática.
No
entanto, quero usar a matemática para algo.
Sexta
feira, mais um dia normal de abraços e aborrecimentos. Não. Não é um dia
normal. É hora de retribuir. Espero por isso há tanto tempo. Não consigo aguentar
de tanta emoção contida. Quanta mágoa lacrada aqui dentro.
O
expediente dele acaba às 19 horas. Estou no carro com meus dois amigos Johnnie
Walker e Jack Daniels. Somos amigos bem íntimos, sabe? Além de sermos
cavalheiros. Misturo os dois e jogo por goela abaixo. Sinto meu corpo trepidar.
Um abalo sísmico. Remorsos e emoções reunidas. Está tudo aqui. Uma loucura
anatomofisiológica que me leva às alturas. Consigo sorrir ao limpar com as
costas da mão algumas gotas que desciam pescoço abaixo. Olhe só para mim. Estou
sorrindo com tanta facilidade que nem acredito. É hoje. Hoje é o dia.
Vejo
aquele saco escrotal saindo porta afora, dando um último abraço e beijo no
porteiro do apartamento. O porteiro retribui o carinho. Será que somente eu não
consigo lidar com essa criatura infernal? Não importa. Não importa mais. Entrou
no carro. Deu a partida. Saiu. Espero que tome uma distância, viro a chave e
dou início à perseguição. Vejo que virou nas mesmas ruas de sempre. Parou nos
mesmos semáforos. A velocidade dentro das normas de trânsito. Desgraçado metódico.
Mas que se dane. Também sou metódico. Perceberam que venho o seguindo há algum
tempo, né?
Estamos
nos aproximando do destino final. Meu coração dispara. Estou suando frio. Não é
nervosismo. Só quero dar um fim para esse lixo. Um final feliz pra mim. Minhas
mãos estão tremendo fervorosamente. Não me importo muito com a direção quando
pego Jack. Tomo todo seu liquido celestial numa golada farta e única.
Três
quadras antes de sua casa há um viaduto que ainda está sendo construído. Essa
hora da noite não existe mais nenhuma alma viva para contar história. Nenhuma
mesmo. Isso é magnífico, excitante e empolgante, não acha? Passo a quinta marcha
e piso com toda a força que possuo no pé direito. O carro parece voar. Bato com
força atrás dele. Rodopia como um peão alucinado. Sai da pista. Bate com tudo na
mureta. O barulho foi estridentemente excêntrico.
-
HAHAHAHAHA – minha risada de triunfo. O serviço ainda não estava concluído.
Paro o veículo no meio da pista. Dessa vez, bebo todo o conteúdo de Johnnie. Ninguém
iria nos perturbar. Levo meus dois amiguinhos comigo. Todos estamos felizes. Passos
largos e desajeitados. Parece que agora meu coração parou de bater. Não estou
mais vivo. Nem sou mais humano. Sou apenas eu.
O
capô de George está completamente destruído, juntamente com o motor e as duas
rodas. Vejo que o idiota está com a cabeça pressionada contra o volante. Espero
que não esteja morto. Com ferocidade, abro a porta amassada, retiro seu sinto e
o derrubo no chão gelado. Não sei se está respirando ou não. Não me importa.
Sou um arauto do prazer e vim trazer uma mensagem. Segurei Johnnie com a mão
direita e Jack com a esquerda. É agora. É agora. É agora. Golpeei com força as
duas garrafas em sua cabeçorra demoníaca. Uma. Duas. Três. Quatro. Cinco. SEIS.
SETE. OITO. NOVE. DEZ. ONZE. NÃO CONSIGO PARAR. QUATORZE.
QUINZE. DEZESSEIS. HAHAHAHA. VINTE. MORRE, DESGRAÇADO! ABRAÇA ISSO. BEIJA ISSO
AQUI TAMBÉM... VINTE E NOVE...
Percebo
que não encontro mais onde bater, porque aquele líquido grotesco está espalhado
por todos os lados. Deito ao seu lado. Não consigo parar de rir. Acho que me
mijei todo. Consigo levantar após alguns minutos. Meu corpo nunca suportou
tanto prazer. Tanta beleza junta. Vou até o carro e saio daquele local de morte
e de felicidades.
Na
segunda feira quando retorno à empresa, sinto-me renovado. O mau humor que
nutri dentro de mim por todos esses anos trabalhando ali, havia sumido.
Consegui dar bom dia para os funcionários do prédio. Não encontrei um com
aparência muito boa. Ora, eles estavam tristes? Fiz um favor para todos nós. Seres
humanos são muito ingratos. Agora percebo isso.
Retorno
à minha mesa e o trabalho continua. Mas não por muito tempo. Dois policiais, do
nada, brotam em minha frente. Um deles segura uma arma. Rosto feio. Sem ânimo. Não
entendo. Como pode ficar assim num dia tão belo?
-
Senhor Alberto, você é acusado pela morte de George Oliveira de Castro. Deve
permanecer calado e... – ele se interrompeu ao notar minha gargalhada. Os
homens da lei se entreolharam, espantados.
-
HAHAHAHA. Malditos sejam, Johnnie e Jack – comecei a falar – Deram com a língua no dente.