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terça-feira, 31 de maio de 2016

Exagero?


Schizzo_di_sangue.jpg
Meus dias são assim...
- Boooooooom diiiiaaaaaa, Albertinhoooo. – o “diiiiaaaa” soa como um falsete pessimamente executado, além de lembrar-me como meu nome no diminutivo soa ridículo. Não adianta mais lançar meus olhares ferozes em direção sua direção. É forte e consegue me levantar. Olha dentro da minha alma corrompida pelo álcool da noite passada, beija minha bochecha e envolve-me com seus braços longos, grossos e flácidos. Sinto o cheiro de seu perfume fedido como mijo de rato adocicado com coca-cola zero. O abraço dura mais de dez segundos. Quando me larga, caio de volta na poltrona de couro. Violado. Quero regurgitar toda a nojeira desse borra botas.
Ele é George, o chefe amoroso. Já lhes disse como odeio esse sujeito? Faz com que minhas entranhas se contraiam, os órgãos mudem de lugar e a cabeça exploda em milhares de planos nefastos para destruir célula existente nesse maldito asqueroso.  Trabalho aqui há mais de quatro anos. Agora faça as contas. Veja quanta merda tive de aguentar. Sou péssimo em matemática. 
No entanto, quero usar a matemática para algo.
Sexta feira, mais um dia normal de abraços e aborrecimentos. Não. Não é um dia normal. É hora de retribuir. Espero por isso há tanto tempo. Não consigo aguentar de tanta emoção contida. Quanta mágoa lacrada aqui dentro.  
O expediente dele acaba às 19 horas. Estou no carro com meus dois amigos Johnnie Walker e Jack Daniels. Somos amigos bem íntimos, sabe? Além de sermos cavalheiros. Misturo os dois e jogo por goela abaixo. Sinto meu corpo trepidar. Um abalo sísmico. Remorsos e emoções reunidas. Está tudo aqui. Uma loucura anatomofisiológica que me leva às alturas. Consigo sorrir ao limpar com as costas da mão algumas gotas que desciam pescoço abaixo. Olhe só para mim. Estou sorrindo com tanta facilidade que nem acredito. É hoje. Hoje é o dia.
Vejo aquele saco escrotal saindo porta afora, dando um último abraço e beijo no porteiro do apartamento. O porteiro retribui o carinho. Será que somente eu não consigo lidar com essa criatura infernal? Não importa. Não importa mais. Entrou no carro. Deu a partida. Saiu. Espero que tome uma distância, viro a chave e dou início à perseguição. Vejo que virou nas mesmas ruas de sempre. Parou nos mesmos semáforos. A velocidade dentro das normas de trânsito. Desgraçado metódico. Mas que se dane. Também sou metódico. Perceberam que venho o seguindo há algum tempo, né?  
Estamos nos aproximando do destino final. Meu coração dispara. Estou suando frio. Não é nervosismo. Só quero dar um fim para esse lixo. Um final feliz pra mim. Minhas mãos estão tremendo fervorosamente. Não me importo muito com a direção quando pego Jack. Tomo todo seu liquido celestial numa golada farta e única.
Três quadras antes de sua casa há um viaduto que ainda está sendo construído. Essa hora da noite não existe mais nenhuma alma viva para contar história. Nenhuma mesmo. Isso é magnífico, excitante e empolgante, não acha? Passo a quinta marcha e piso com toda a força que possuo no pé direito. O carro parece voar. Bato com força atrás dele. Rodopia como um peão alucinado. Sai da pista. Bate com tudo na mureta. O barulho foi estridentemente excêntrico.  
- HAHAHAHAHA – minha risada de triunfo. O serviço ainda não estava concluído. Paro o veículo no meio da pista. Dessa vez, bebo todo o conteúdo de Johnnie. Ninguém iria nos perturbar. Levo meus dois amiguinhos comigo. Todos estamos felizes. Passos largos e desajeitados. Parece que agora meu coração parou de bater. Não estou mais vivo. Nem sou mais humano. Sou apenas eu.
O capô de George está completamente destruído, juntamente com o motor e as duas rodas. Vejo que o idiota está com a cabeça pressionada contra o volante. Espero que não esteja morto. Com ferocidade, abro a porta amassada, retiro seu sinto e o derrubo no chão gelado. Não sei se está respirando ou não. Não me importa. Sou um arauto do prazer e vim trazer uma mensagem. Segurei Johnnie com a mão direita e Jack com a esquerda. É agora. É agora. É agora. Golpeei com força as duas garrafas em sua cabeçorra demoníaca. Uma. Duas. Três. Quatro. Cinco. SEIS. SETE. OITO. NOVE. DEZ. ONZE. NÃO CONSIGO PARAR. QUATORZE. QUINZE. DEZESSEIS. HAHAHAHA. VINTE. MORRE, DESGRAÇADO! ABRAÇA ISSO. BEIJA ISSO AQUI TAMBÉM... VINTE E NOVE...
Percebo que não encontro mais onde bater, porque aquele líquido grotesco está espalhado por todos os lados. Deito ao seu lado. Não consigo parar de rir. Acho que me mijei todo. Consigo levantar após alguns minutos. Meu corpo nunca suportou tanto prazer. Tanta beleza junta. Vou até o carro e saio daquele local de morte e de felicidades.
Na segunda feira quando retorno à empresa, sinto-me renovado. O mau humor que nutri dentro de mim por todos esses anos trabalhando ali, havia sumido. Consegui dar bom dia para os funcionários do prédio. Não encontrei um com aparência muito boa. Ora, eles estavam tristes? Fiz um favor para todos nós. Seres humanos são muito ingratos. Agora percebo isso.
Retorno à minha mesa e o trabalho continua. Mas não por muito tempo. Dois policiais, do nada, brotam em minha frente. Um deles segura uma arma. Rosto feio. Sem ânimo. Não entendo. Como pode ficar assim num dia tão belo?
- Senhor Alberto, você é acusado pela morte de George Oliveira de Castro. Deve permanecer calado e... – ele se interrompeu ao notar minha gargalhada. Os homens da lei se entreolharam, espantados.
- HAHAHAHA. Malditos sejam, Johnnie e Jack – comecei a falar – Deram com a língua no dente.


sábado, 21 de maio de 2016

Diário de um mágico de circo suicida



1º Dia
Sempre tive problemas com vícios. Quando criança, os jogos eletrônicos. Quando adolescente, meninas. Quando jovem, bebidas. Pensava que tudo era passageiro, sabe, aquela mania de momento, entretanto, o álcool veio para ficar, mesmo tentando outras as formas de distração. Mesmo quando virei noites e mais noites aprendendo truques de mágica na internet, dedicando-me ao máximo, sempre subia aquela sensação irritante vinda das costas, fazendo com que as mãos ficassem trêmulas, o coração disparasse e a dor de cabeça viesse com força total
Meu pai estaria orgulhoso de mim, afinal de contas, a maldita também fez parte de sua vida. Assim como eu, Mr. Fantástico – meu pai – era o mágico do circo da cidade e possuía muitos fãs, de crianças de colo até idosos. Todos amavam ver como tirava coelhos e cartas de chapéus, ou quando foi cerrado ao meio e sobreviveu para ser aplaudido. Mas num dia normal de apresentação, o grande mágico adentrou um tanque com água, sendo que precisava cortar as correntes que o prendiam. Bem, não conseguiu. Estava bêbado demais para lembrar-se de pressionar o feixe da corrente, libertando-o assim de sua prisão mortal. Lá se foi o grande Mr. Fantástico, que não era tão fantástico assim no final de tudo.
Um tanto quanto triste, não é? Quero seguir seus passos até nisso, graças a incapacidade de mudar minha vida. Mesmo sendo o mágico do circo da cidade e querido por muitas pessoas.
Grande parte do que ganhei depositei em bares por aí. “Mr. Cachaça” - muitos me chamavam assim ou – o apelido que eu mais gosto – Mr. Dormindo na calçada abraçado com um cachorro. As pessoas são criativas até para inventar apelidos ofensivos.
            Sei o que deve estar pensando de mim. “Nossa, que sujeito melodramático”. Talvez eu até seja, mas não me leve a mal e se coloque em meu lugar por alguns segundinhos. Cresci sem pai. Apanhava de outras crianças na escola. Minha mãe fugiu com outro homem, deixando suas dívidas para que seu filho pagasse. Meus tios e avós não queriam saber de mim, pelo menos até começar a ganhar dinheiro. A única coisa que me ama – as bebidas, no caso – me faz muito mal, a ponto de prejudicar meu único emprego. O motivo pelo qual o dono do circo ainda não me demitiu, é o respeito que tinha por meu pai.
            Então está decidido, vou acabar com essa porcaria que chamam de vida da melhor maneira possível: Num espetáculo. A melhor apresentação que farei. Preparei-me muito para isso, estudando novas mágicas e melhorando as antigas. Será uma noite e tanto. Estou contente por tomar essa decisão e você, por favor, não me repreenda com falsas ideologias, dizendo que o “amor pode salvar todas as coisas”. Não tenho nenhuma salvação e aceito este fato. Essas lágrimas descendo por meu rosto abaixo não querem dizer nada. É isso que quero e pronto.

            As arquibancadas estavam lotadas, graças às divulgações que fiz por toda a cidade. “A melhor apresentação de Mr. Sombrio” – as pessoas vieram em peso. Crianças, adultos, idosos, homens, mulheres estavam ali, observando tudo com cautela. O próximo truque seria o último. O último mesmo. Aquele que entraria para história – de novo. Ah, como quero ver suas expressões horrorizadas quando o sangue jorrar por todos os lados.
Deitei sobre um caixão aberto de madeira. Uma tampa jazia ao seu lado. Quando fosse colocada sobre o caixão, apenas minha cabeça e pés ficariam para fora. Sara, minha assistente de palco – uma linda mulher pelo qual eu era apaixonado e não tinha coragem de me confessar – pegou a tampa e a fechou. Desembainhou a espada que havia afiado por horas. Ela atravessaria meu ao meio. Agora sim. Estava sorrindo de orelha a orelha. Não tem mais volta.
- Senhoras e senhores, este será o grand finale e ficará marcado para sempre. – e como ficará. Deus, estou há meia hora sem beber, mas já sinto que preciso tomar mais daquele líquido divino – Aproveitem e observem como não há nenhum truque. Sara transpassará meu corpo com esta espada devidamente afiada, deixando o velho Mr. Sombrio dividido em duas partes. Será que ela será capaz de executar tudo com perfeição? – a platéia foi à loucura. Gritos e ovações.
- Está tudo pronto, senhor? – perguntou Sara, sem tirar o sorriso forçado do rosto, mesmo assim, estava radiante, esbelta, perfeita. Assenti que continuasse. Como queria dizer que a amava, no entanto, não merece um sujeito como eu. Um estragado.
Levantou a espada sobre a cabeça.
Fechei meus olhos. Em poucos segundos deixaria tudo para trás. As dividas, os problemas que tinha com o dono do circo, a bebida... Acabo de me lembrar que não tomei aquele uísque que comprei semana passada. Que se dane. Esse é o fim. Ouço o som de minha assistente fazendo força para levantar a espada e executar o corte perfeitamente.
Exibi os dentes num sorriso macabro de alguém que anseia a morte acima de tudo. A espada tocou o caixão. Eu ouvi, tenho certeza. Ouvi sim. Consigo dar uma última gargalhada. O suor descia por meu rosto e deixei a cabeça pender para baixo, estendendo os músculos do pescoço um pouco mais do que deveria. A platéia fez silêncio. Não consigo me segurar mais e uma gargalhada flui naturalmente. Acabou. Eu tenho certeza que acabou. Ela afasta o caixão partido ao meio pelo corte perfeito. Abro os olhos e vejo todos da platéia de pé, aplaudindo, gritando, vibrando com minha morte. Eu também vibraria, mas algo não estava certo.
- Viva o Mr. Sombrio! – uma voz infantil gritou ao longe.
Levantei a cabeça para ver o caixão partido, mas o incrível é que ainda sentia meus pés mesmo assim. Consegui balançar os dois e tudo parecia bem. Sara trouxe o pedaço onde estavam os membros inferiores e juntou ao pedaço que estavam os superiores. Tirou as trancas e... voilà. Intacto, sem nenhum corte ou sangue.
Em meio a toda aquela euforia, só pude pensar em uma única palavra.
- Merda...

2º Dia
Tentativa: morte por afogamento no tanque – igual papai.
Resultado: parecia respirar debaixo d’água.
Comentários: Fiquei ansioso de novo, mas não adiantou de nada. Droga...

3º Dia
Tentativa: morte por adagas atiradas.
Resultado: A mira de Sara ficou excelente, mesmo arremessando vendada.
Comentário: Não estava ansioso. Parecia que já sabia o que estava por vir. Raios...

4º Dia
Tentativa: morte por atropelamento pelo carro dos palhaços.
Resultado: a bebida que tomaram não foi forte o suficiente para embriagá-los.
Comentários: A intensidade com que bebo tem aumentado muito, entretanto, Sara estava ainda mais deslumbrante...

5º Dia
Tentativa: morte por queda livre ao andar na corda bamba.
Resultado: mesmo de olhos fechados e estando embriagado, não consegui cair. Quando me joguei, havia esquecido a rede embaixo.
Comentários: Sara continua linda...

10º Dia
Tentativa: Morte por envenenamento da picada de uma cobra, colocada dentro de um chapéu.
Resultado: A cobra não possuía veneno.
Comentário: Tenho conversado mais com ela...
...
14º Dia
Tentativa: Morto comido por um leão.
Resultado: O desgraçado do animal era adestrado. Não se fazem mais leões como antigamente.
Comentário: Conheci mais da vida de Sara. Contou-me como fora sua infância e eu retribuí fazendo o mesmo. Acho que ficou com pena de mim...
20º Dia
Tentativa: Morto pelos palhaços depois de provocá-los – calma aí, isso não é mágica.
Resultado: Um olho roxo e uma costela trincada.
Comentário: Sara cuidou de mim. Fez sopas trouxe alguns DVDs. Às vezes nós saímos para comer e faço de tudo para se divirta. Tem conversado comigo sobre tudo que acontece. Tivera uma infância sofrida contada anteriormente era uma mentira. Fiquei feliz por isso.
Estou feliz?
...
33º Dia
Tentativa: Não sinto mais vontade de me matar. Nem procurei algo que me fizesse passar dessa para uma melhor.
Resultado: Aproveitei o dia de folga e levei Sara num parque de diversões.
Comentário: Usava um vestido lilás e uma jaqueta jeans. Brincamos de pescaria e ganhei um ursinho de pelúcia. Bati na traseira do carrinho de bate-bate dela e nunca a vi rir tanto. Seu olhar era como o mar Grécia, límpido, claro e irrevogavelmente perfeito. O melhor de tudo, lá habitava a felicidade. Para terminar o dia, andamos na roda gigante e para minha surpresa, nos beijamos. O mundo parecia haver parado, como se nada importasse mais. Após o beijo, adentrei no mar perfeito e calmo que eram seus olhos e não conseguia encontrar mais retorno.
Não sentia mais vontade de beber.
...
50º Dia (qüinquagésimo)
Tentativa: Desde o 33º dia que comecei a escrever nesse diário, não bebo e não tento mais o suicídio.
Resultado: Minha alegria era genuinamente verdadeira.
Comentário: Estamos namorando. Essa mulher faz viajar com seus contos e romances que escreve – ela sonha em ser escritora e eu só sonho em estar com ela. Eu consegui descobrir que o amor consegue transpor todas as barreiras que existem, inclusive aquelas que me afundavam para o fundo do poço. Sinceramente não acredito que tentei tantas vezes tirar minha vida e, olha só isso, escrevi por cinquenta dias consecutivos num diário. Já é hora de abandonar isso e seguir em frente.

5 anos depois
Encontrei esse diário perdido numa das caixas de mudança. Faz três anos que mudamos para outra cidade. E olha só, nos casamos. É isso aí. Eu e Sara. Estamos muito felizes, sabe. Pensamos até em ter filhos. Abrimos nosso próprio circo e já contamos com algumas apresentações agendadas em outras cidades. Fora do estado também.
Aquele sujeitinho depressivo e seguro de si em querer se matar não existe mais. Sou um homem de negócios agora. Um empreendedor artístico e futuramente um pai de família. Amo tudo isso e quero muito mais.
Mas... não sei ao certo.  
Talvez esteja ficando um pouco doido. No começo do casamento as coisas eram mais bonitas e românticas. Porém, acho aquela paixão ardente tem esfriado. Já busquei diversas formas de apimentar a relação e a maioria delas foi fracassada. Passamos mais tempo organizando os afazeres do circo ou treinando para espetáculos que esquecemos o motivo que nos uniu. O amor
Acho que não sei o que mais isso. Tem muitas coisas que não me recordo bem. Diversas vezes fico forçando lembrar tudo o que passei antes de Sara. As bebidas, a loucura de ser solteiro, a falta de responsabilidade, a doçura fervente das bebidas. Espera, já disse isso antes? O que é tudo isso? Não compreendo.

Talvez com uma boa golada de uísque e uma tentava de suicídio, me recorde...