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sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Vilão

O que te faz ser um vilão? Qual é o padrão desenvolvido pela sociedade para classificar alguém como vilão? Foram estas mesmas perguntas que fiz no momento de minha morte. 
Meu nome é Raphael Lórien, por mais que esse nome pareça de uma pessoa rica mimada e criada em berços de ouro, nasci em um lar humilde. Quando me refiro á humilde, seria uma forma bonita de dizer miserável e sem futuro em uma sociedade corrompida pelo próprio sistema. 
A cidade em que morava era extremamente afastada das grandes metrópoles centrais. Uma cidade com pessoas violentas à margem da sociedade e da suposta lei. Desde criança, vejo super-heróis voando para lá e salvando milhares de pessoas de enchentes, incêndios e tantas outras ruindades das grandes metrópoles. Seres altos e imponentes, trajados de roupas coloridas com capas esvoaçantes. Deixo bem defino que são apenas as metrópoles, pois nunca vi um super-herói desse pousar em cidades miseráveis para dar um oi que fosse. Cresci vendo mortes, desigualdades, racismo e injustiça. Malditos ricos engomados, sempre com melhores oportunidades na vida do que nós. São um bando de oportunistas e puxa-sacos tentando um subir acima do outro. 
Meu pai era um bêbado maluco que batia em minha mãe, além de me espancar e fazer de escravo, que era sua diversão favorita. Minha já era uma pobre coitada que não possuía um braço, além de fumar 30 cigarros por dia e ser portadora de HIV. Vocês podem estar acompanhando essa minha história e perguntando se realmente esse é um ambiente que uma criança normal cresceria. 
Quando tinha 10 anos de idade, chegou meu pai em casa depois de uma noite enfiado em bebidas e festejos carnais. Pegou minha mãe pelo braço e sem qualquer razão para tal ato resolveu espancá-la. Seu rosto gozava de alegria a cada sangue que escorria, mediante todo aquele ato, ela seria morta com toda certeza. 
Não havia outra escolha, eu precisava proteger minha mãe, à amava mais do que tudo. Corri até a cozinha e peguei um facão nada amolado. Voltei correndo para golpeá-lo com fugaz energia desconhecida por mim até o presente momento e por um fim á vida daquele ser abissal. Rodei o pulso, desloquei o braço em um corte lateral que acertou-lhe o braço. Desceu um sangue tímido, o golpe não fora eficiente, com um grunhido que me congelou por dentro, ele enfiou um tapa com as costas da mão em minha face. Caí inerte no chão, assustado, completamente ofensivo. 
Uma criança tentando ser um herói, mas que piada sem graça. Ele já não era o mesmo, agora veio com intuito de me matar segurando-me pelo pescoço com as palmas da mão forçando sobremaneira a traquéia. -É agora maldito - disse o demônio possesso por uma loucura fugaz - Nunca quis tê-lo mesmo, morra e vá para o in... Um golpe em suas costas encerrava suas palavras profanas e selando suas atitudes macabras. 
O demônio tombou, cuspindo sangue à jorrar. Não havia entendido o fato ocorrido um fato até me dar conta de ver o mesmo facão com qual tentara golpeá-lo fincado nas costas de meu pai. Minha mãe arfava, com lágrimas descendo de seu rosto, havia o matado, não me restava dúvidas de sua atitude. Engatinhei até ela que me abraçara com força. - Vai ficar tudo bem meu filho - dizia ela em meio á lágrimas de desespero acompanhado por uma esperança vã - Vai ficar tudo bem... 
Os dias que se seguiram foram piores. Minha mãe havia sido acusada pelos familiares de meu pai. Fora presa e acusada de loucura por tudo e por todos. Minha única família se fora, minha única luz havia se apagado. Um dia em uma rebelião na penitenciária onde minha mãe estava presa, a policia entrou atirando em tudo e todos e uma vitima dessa chacina vil fora minha mãe. Após tal ato, afirmavam para toda impressa de boca cheia, orgulhosos pelo serviço bem feito - Fizemos justiça nesse dia - e comemoravam com gritos e abraços. 
Afinal, o que é justiça em um mundo como o meu? 
Não tive casa por bons anos, dormi na rua em dias de chuva, comi resto de comidas podres que moradores de rua me davam quando tinha. Muitos desses mendigos morriam vitimas de pessoas que matavam por diversão, afirmavam eles estar livrando o mundo do lixo. Seres humanos fazendo isso com outros seres humanos. 
Onde está a tão falada justiça? 
Me juntei com outros meninos de rua que me ensinaram técnicas de malabarismo. Pedíamos moedas no semáforo após nosso truque de circo e morávamos todos juntos em uma antiga casa abandonada. Passamos fomes juntos, muitos morreram, outros começaram a vender drogas para as grandes metrópoles e sumiram. Consegui um emprego de ajudante em obras de construção, acredite se quiser, até arrumei uma namorada. A vida ia mudando para mim. 
Estava progredindo, agradecia minha mãe todos os dias por ter dado sua vida por mim naquela noite. Mesmo sem muito dinheiro, estava vivendo feliz. Nos dias que seguiam juntei dinheiro com muita perseverança e garra para comprarmos uma casa. Meu dinheiro das obras e o dinheiro de Feliciana, nome de minha namorada que trabalhava em 2 supermercados. Conseguimos uma casa com 1 quarto, sala e banheiro, achávamos um luxo e gozávamos de plena felicidade até então desconhecida. 
Não chegamos a nos casar mediante aos altos custos dos casamentos. Ao passar do tempo, Feliciana estava grávida. Estávamos vivendo um glamour desconhecido, até tínhamos uma televisão de 14 polegadas que era o nosso mascote. O ruim das televisões era que na maiorias dos canais mostrava a glória dos super-heróis, exaltavam seus feitos, seus poderes além da compreensão humana. Um bando de pau mandados seguindo ordem do maldito governo corrupto. 
Feliciana só ficava em casa agora, aos 6 meses do feto largara o trabalho para cuidar de si e da casa. Mas aí veio a queda novamente, as mídias televisivas com suas programações e novelas formadoras de opiniões estragaram a mente de minha "esposa" de pouco em pouco. Ela se tornara esnobe, sempre queria mais, nada a satisfazia, se tornara uma típica mulher rica fútil e materialista. 
Sempre me pedia dinheiro para gastar em coisas materiais, não se conformava com nada. Se eu não a amasse daquela forma, nunca teria dado para ela tudo o quê tinha e até mesmo o que não podia comprar. Mas ela sempre queria mais e mais. Com o resultado de todo esse consumismo desenfreado, contraí dezenas de dívidas e fui despedido dos meus 3 trabalhos que gozava de salários realmente altos. Não sabia mais o que fazer, minha esposa não me apoiava mais em nada, só me criticava, eu estava ficando louco, já demonstrava acessos de insanidade. 
Usei meus últimos centavos para comprar um revolver e 8 balas, estava no meu auge e cada vez mais maluco por dinheiro. Andei quilômetros até a metrópolis mais perto. Carreguei  arma, esperei o primeiro ônibus e subi. Meus instintos estavam aguçados, loucos, suava frio, sentia dores fortes no estômago pelo o que eu ainda iria fazer. - Passa tudo o que você tem, agora - tirei a arma de meu bolso apontando para o motorista que se assustara, mas ao entender a situação disse calmamente - Vá com calma meu amigo, vai se arrepender por isso - disse ele para meu desespero. 
No mesmo instante sem pensar duas vezes, o passageiro mais próximo partiu para tentar arrancar minha arma a qual eu segurava tremulamente. Ao receber o tranco forte acabei por disparar sem querer. A bala acertara no braço direito do motorista de grunhiu de dor perdendo a direção do ônibus - Aaargh, maldito - e virou o volante para esquerda. Passávamos por um viaduto, o ônibus bateu de um lado e zigue-zagueou para bater no outro caindo da ponte de 10 metros. Uma caída para a morte certa. 
Dois segundos de pleno desespero tomaram conta de mim até me dar conta que o ônibus estava voando. Isso mesmo que você leu, voando. Era um milagre? Pelo contrário, era minha morte me que salvara de morrer naquele mesmo momento. O ônibus pouso no chão com maestria e tranquilidade. Uma figura alta e de incrível robustez adentrou o ônibus. Um super-herói com sua capa esvoaçante e roupa colorida. - Então foi você que causou tudo isso não foi vilão? - disse a figura heroica tomando uma pose masculina onde sorria com satisfação pelo seu feito. - Vilão? - perguntei ainda não entendendo como ele tinha pego um ônibus pesado e colocado no chão. 
"Mata ele" - gritavam os passageiros - Vamos anda, ele merece. - Eu não acreditava naquelas palavras. "Não existe lugar para você em um mundo de paz e justiça vilão - trovejou imponente o herói - Agora morra de uma vez. 
Puxou me pelo pescoço com força sobre humana e jogou me para fora do ônibus, aterrissei ao chão com tremenda força que quebrei dezenas de ossos e ligamentos musculares, era meu fim. Pude ser o mesmo ser voando em minha direção  para aplicar o golpe final. Naquele momento eu só podia pensar em uma coisa. 
O que te faz ser um vilão? Infelizmente na fantasia ou vida real, a sociedade te imputa esse infeliz emprego: o ser vilão. 

 Por Celso Machado